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As práticas anti-sindicais da Sadia


Por Altamiro Borges


Sem maior repercussão na mídia privada, as empresas instaladas no Brasil continuam usando e abusando das práticas anti-sindicais. Sindicalistas são isolados, perseguidos e demitidos; trabalhadores são vigiados por câmeras internas e repreendidos quando se associam; espiões vigiam assembléias e reuniões sindicais; boletins patronais desqualificam as lutas trabalhistas. A guerra, quase invisível, é permanente e violenta.



Na semana passada, numa pequena notinha, o jornal Folha de S.Paulo registrou, de forma anódina, que a poderosa empresa Sadia, do ex-ministro da Indústria e Comércio do governo Lula, Luiz Fernando Furlan, foi condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais por suas ações anti-sindicais.






O TRT determinou que a indústria deverá pagar multa de R$ 1 milhão por ter obrigado os funcionários a aceitarem um acordo salarial já rejeitado pela assembléia convocada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Alimentação de Uberlândia. Segundo denúncia do procurador do Ministério Público do Trabalho, Fábio Fernandes, a Sadia "dirigiu a formação de uma comissão supostamente representativa dos trabalhadores que se encarregou de coagir outros empregados a aceitarem as bases do acordo propostas pela empresa". Alguns operários inclusive foram demitidos por discordarem da pressão. A reivindicação sindical era de 5% de reajuste e R$ 411 de piso. Mas a milionária empresa impôs o reajuste de 3,5% e o piso de R$ 402.






A ponta do iceberg






A condenação da Sadia é apenas a ponta do iceberg da luta encarniçada travada pelas empresas contra os sindicatos. As práticas anti-sindicais são comuns no mundo todo. Segundo a Union Network International (UNI), trabalhadores de 133 países são afetados por leis e ações contrárias à liberdade sindical. "São mais de 35 milhões de pessoas sem o direito fundamental de organização, o que restringe suas oportunidades e seus direitos humanos". Poderosas corporações, como a Wal-Mart, Coca-Cola, Xérox, GM, Fiat, Ford e McDonald's, são presenças fixas nos relatórios anuais da Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (Ciosl), hoje rebatizada de CIS, que nem é muito afeita ao confronto com o capital.






No Brasil, com o seu passado escravocrata, os trabalhadores sempre penaram para construir sindicatos. A primeira lei que trata da organização sindical é de 1908, mas proibia a participação dos imigrantes - que constituíam mais de 90% da força de trabalho. A famosa lei do latifundiário Adolfo Gordo, aprovada no período, fixou que os estrangeiros que participassem de greves ou outras ações sindicais seriam presos e deportados. Até meados dos anos 30, os sindicatos eram tratados como "caso de polícia". Getúlio Vargas, que precisava do apoio operário ao seu projeto de nação, legalizou os sindicatos, mas tentou cooptá-los. "O sindicalismo é como um tigre. Não é preciso matá-lo, é possível domá-lo", ironizava o hábil político.






A "ditadura nas empresas", favorecida por inúmeros golpes e governos autoritários, é uma constante na história do sindicalismo nacional. O capital nunca permitiu o acesso dos sindicatos aos locais de trabalho. Mesmo a Constituinte de 1988, que refletiu o ascenso das lutas democráticas e garantiu vários avanços na estrutura sindical, não resultou na conquista do direito da organização sindical nas empresas. No primeiro mandato do governo Lula, o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), instância tripartite, voltou a discutir os mecanismos contra as práticas anti-sindicais e a organização sindical no local de trabalho. Novamente, o capital fez de tudo para evitar estes e outros avanços na draconiana legislação sindical brasileira. Continua a vigorar nas empresas, nacionais e estrangeiras, uma brutal violenta, que persegue o sindicalismo.






A ditadura da Wal-Mart






A recente punição da Sadia, que já anunciou que recorrerá da decisão, é a prova cabal da existência desta ditadura, sempre acobertada pela mídia hegemônica. Há outros casos conhecidos. A rede estadunidense de supermercados Wal-Mart é uma das mais denunciadas por ações anti-sindicais - no mundo e no Brasil. Presente há dez anos no país, ela já abocanhou várias empresas nacionais: Bom Preço, Hiper Bompreço, Big, Nacional, Maxxi e, mais recentemente, comprou a rede Sonae. Para competir e imperar no mercado, ela paga péssimos salários, desrespeita os direitos trabalhistas e evita qualquer tipo de ação sindical.






"Ela não permite o convívio do trabalhador com os dirigentes sindicais e tenta impedir a sindicalização", denuncia Lucilene Binsfeld (Tudi), presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços (Contracs). "Ela investe pesado para que a Justiça lhe conceda liminares a fim de que os seus empregados trabalhem aos domingos e feriados. Há relatos de trabalhadores que são obrigados a ficar 24 horas à disposição. As metas da PLR e do bancos de horas são impostas, sem qualquer negociação com os sindicatos. São inúmeras as lesões por esforço repetitivo e multiplicam-se os casos de depressão. Há ainda o agravante do assédio moral e sexual, com milhares de ações na Justiça contra a Wal-Mart", relata Tudi.






Segundo o coordenador do comitê dos trabalhadores da Wal-Mart, Alci Araújo, a rede é famosa por violar os direitos trabalhistas e agredir sindicatos no mundo todo. "Aqui no Brasil há casos de descumprimento da legislação local, pressão psicológica, excessiva monitoração e práticas intimidatórias". Ele relata que os funcionários dos caixas são privados do direito de ir ao banheiro durante um turno de quatro horas e há denúncias, inclusive, da existência de cárceres privados na unidade de Osasco. A vigilância é permanente, com câmeras instaladas nas lojas e estacionamentos e forte pressão das chefias. "Eles vigiam quem entra e quem sai da loja e monitoram se os funcionários se relacionam com os dirigentes sindicais".






Métodos fascistas da Fiat






Outra empresa famosa pelas agressivas práticas anti-sindicais é a multinacional italiana Fiat. Reportagem publicada na revista Debate Sindical revelou que desde a sua instalação em Betim, Minas Gerais, "ele deu início a uma campanha rigorosa para desgastar a imagem do sindicato e criar o máximo de obstáculos à sua ação. Trabalhadores sindicalizados são pressionados a se desfiliarem da entidade. Entre os demitidos, por vários motivos, o número dos sindicalizados é absurdamente maior. A montadora também passou a perseguir os dirigentes sindicais dentro da fábrica, expulsando vários deles e coibindo o trabalho sindical dos outros, via pressão sobre os operários para que não conversem com estes durante o expediente".






"A Fiat inclusive colocou vigilantes desconhecidos, vestidos com uniformes de operário, para circular na fábrica com a missão de delatar simpatizantes do sindicato e, ao mesmo tempo, de difamar a entidade de classe. Os ônibus que transportam funcionários, que antes estacionavam num único local, foram divididos em três portarias e foi impedido o acesso do caminhão de som do sindicato... Ao mesmo tempo em que desenvolvia esta campanha anti-sindical, a Fiat investiu maciçamente em sua propaganda interna", com a edição de boletins coloridos, premiação dos trabalhadores mais "disciplinados", visita dos familiares nos finais de semana, festas de aniversário, batizados e casamento e até comemoração do 1º de Maio.






"A Festa do Trabalhador é realizada no Estádio do Mineirão, sempre com a presença de grandes atrações. Entre outros objetivos, estas atividades têm a óbvia intenção de mostrar ao trabalhador que ele não precisa do sindicato. A Fiat, mesmo não compensando financeiramente o vertiginoso aumento da produtividade, tenta vender a idéia de que é capaz de prover os operários de tudo o que necessitam. A fábrica seria a casa e mesmo a família do trabalhador. Todas estas medidas são acompanhadas por agressiva comunicação interna. Os operários são bombardeados diariamente com mensagens da empresa, que tenta nos envolver afetivamente. O efeito é de uma verdadeira lavagem cerebral", explicou o operário José Eustáquio.






A truculência de Serra






Sadia, Wal-Mart e Fiat são apenas três exemplos da fúria do patronato contra as organizações sindicais. A situação é ainda mais grave no campo brasileiro, aonde é muito comum o trabalho escravo e a contratação de jagunços para assassinar sindicalistas. Mesmo no setor público, as relações são tensas. Até hoje não foi regulamentado o direito de negociação coletiva do setor, mas o governo Lula já fala em restringir o direito de greve destes trabalhadores. Há poucas semanas, o tucano José Serra, governador de São Paulo, abusou das práticas anti-sindicais ao demitir cinco diretores do Sindicato dos Metroviários em represália à greve em apoio ao veto presidencial da Emenda-3, da precarização do trabalho. O Metrô até usou seu sistema de som das estações e trens para difundir mensagens terroristas, jogando os usuários contra os metroviários.






"A violência contra a organização é crime contra a democracia", afirma uma campanha nacional da CUT. Através do Observatório Social, ela mantém um sistema de monitoramento de práticas anti-sindicais. São comuns as denúncias de demissões de sindicalistas, de assassinatos de lideranças, de processos judiciais contra entidades, de agressões físicas, de coação de trabalhadores e de constrangimento da sindicalização. Alguns Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs), vinculadas ao Ministério do Trabalho, até reforçaram a fiscalização às empresas. Apesar destas ações, ainda são tímidos os avanços. O combate às práticas anti-sindicais exige uma postura mais ativa do sindicalismo e ousada do governo Lula e do Poder Legislativo.






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*Altamiro Borges, Miro é jornalista, Secretário de Comunicação do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro "As encruzilhadas do sindicalismo" (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição)

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