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55 anos da Federação

CUT-24 anos: central bate de frente com ministro da Fazenda


Por Osvaldo Bertolino
A indicação de Antônio Palocci Filho para o posto de coordenador do programa de governo desencadeou os primeiros desencontros entre a equipe do candidato à Pesidência da República Luis Inácio Lula da Silva e a CUT. Após tomar posse como titular do Ministério da Fazenda, Palocci seria o alvo principal do movimento sindical. A Força Sindical partiu para o ataque já no início do governo. A CUT, após um período de estudo sobre como Palocci conduziria a economia, também começou a fazer críticas pesadas à sua gestão. Iniciava-se uma fase conturbda da relação entre a CUT e o governo Lula.





Assim que assumiu o posto de coordenador do programa nacional de governo, o então prefeito de Ribeirão Preto (SP), Antônio Palocci Filho, procurou o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, em busca de apoio à candidatura à Presidência da República de Luiz Inácio Lula da Silva. ''Queremos unir todas as representações sindicais em torno da candidatura'', afirmou. A atitude de Palocci motivou um comentário irônico do então presidente da CUT, João Felício. ''Partido nenhum tem bafômetro para detectar o grau de pelegagem de um dirigente sindical'', disse ele.




Em resposta, segundo a colunista do jornal Folha de S. Paulo Mônica Bergamo, Paulinho mandou o CD ''O Inimitável'', de Roberto Carlos, para João Felício - recomendando especialmente a faixa 9, ''Ciúme de Você''. A reação do presidente da CUT foi natural, diante do apoio da Força Sindical a praticamente toda "era neoliberal". Palocci alegou que sua intenção era ouvir todas as centrais (CUT, Força Sindical, CGT e SDS) para pedir colaborações à sua versão do programa de governo. Ele também consultaria as federações empresariais mais importantes (Fiesp, CNI, Fierj e Fiemg).




O conceito de ajuste "brabo"




Segundo o novo coordenador do programa de governo, esses seriam os dois lados de uma comissão tripartite (o terceiro seria o próprio governo) para fazer uma nova legislação trabalhista. Ele explicou que abrir espaço para discussão com outras centrais sindicais fazia parte de uma estratégia do PT que vinha de alguns anos. Conforme o partido foi consolidando a sua posição no quadro partidário, os petistas concluíram que a sua representação não poderia mais se limitar aos trabalhadores organizados na CUT. "O governo não será exclusivamente do PT nem só da CUT nem apenas dos partidos ligados ao PT. Será uma seleção brasileira'', disse Aloizio Mercadante (SP), então candidato ao Senado.




As primeiras ações de Palocci, no entanto, já criaram atritos com a CUT. Ele anunciou um "ajuste fiscal brabo'', o que representava a decisão de eliminar a margem de manobra para a ampliação dos investimentos públicos. O conceito de ''ajuste brabo'' (''muito forte'', ''intenso'', ''violento'', segundo o dicionário Aurélio) foi anunciado por Palocci ao lado das principais lideranças do partido e à frente do próprio candidato Lula, num encontro que mantiveram com empresários, executivos e sindicalistas.




O coordenador do programa de governo afirmou que o primeiro ano do governo seria "restrito demais'', em razão da necessidade de manter o "superávit fiscal" acertado com o FMI. Na mesma reunião, Felício disse que a CUT não pretendia pressionar por empregos no início do governo. Ele afirmou que a central queria, primeiro, a ''humanização das relações de trabalho'' e, segundo, a criação de um ''espaço'' para negociação entre a ''sociedade'' e o poder público (Felício citou CUT, Força Sindical e MST). José Dirceu, então presidente do PT, anunciou uma agenda, chamada por ele de ''assuntos importantes'', na qual estava um item polêmico: a "reforma" da Previdência Social.




Necessidade de medidas duras




O "ajuste fiscal brabo" anunciado por Palocci era resultado de conversas mantidas por ele com o então presidente do Banco Central (BC), Armínio Fraga, e com o próprio preidente da República, Fernando Henrique Cardoso (FHC). O coordenador do programa de governo de Lula assumia funções cada vez mais relevantes, condição que o colocaria no centro da transição de governo. Ele assumiria o Ministério da Fazenda e logo após a posse do governo promoveu duas elevações da taxa de juros, causando reação da CUT. Palocci e Lula então reuniram-se com 11 dirigentes da central para apresentar a posição do governo de condicionar a redução da taxa de juros à aprovação das "reformas" previdenciária e tributária.




Palocci fez uma exposição aos representantes da CUT para explicar a necessidade de medidas duras, como o corte de R$ 14,1 bilhões do Orçamento e o segundo aumento consecutivo dos juros. ''Ele (Palocci) disse que, para que haja uma diminuição da taxa de juros, primeiro são necessárias as reformas, especialmente a tributária e a previdenciária. Segundo, que o Brasil encontre um mercado internacional mais favorável para exportar'', disse Felício após o encontro. ''Essas duas questões são fundamentais para a diminuição dos juros. Se o Brasil conseguir isso ao longo dos anos, estarão dadas as condições para a diminuição da taxa. Essas são palavras do ministro e a CUT concorda'', disse ele.




Projeto da Lei de Falências




Esse clima de paz logo mudaria. Já no início de 2003, a decisão do governo de cortar mais investimentos públicos para aumentar a meta de superávit primário - arrocho nos investimentos para pagar juros - de 3,75% para 4,25% do PIB foi duramente criticada por sindicalistas. ''Nós preferimos que qualquer economia que o país venha a fazer seja usada no aumento da produção. É o que temos a dizer'', declarou Felício. Paulinho foi mais duro. ''Um aperto dessa ordem é uma loucura. Nós, que reclamávamos tanto do governo anterior, já começamos a sentir saudades do Malan", disse ele.




Outra medida que uniria a CUT e a Força Sindical nas críticas ao governo foi o envio de um projeto ao Congresso Nacional para alterar a Lei de Falências. ''Encontraram mais uma forma de privilegiar o capital, de privilegiar a dívida com o mercado. É um tratamento perverso com o mundo do trabalho'', disse Felício. O que despertava a indiganção das centrais sindicais era o item do texto que previa a limitação da preferência para o pagamento de dívidas trabalhistas nos processos de falência. De acordo com a lei então em vigor, de 1945, os trabalhadores tinham prioridade, frente aos bancos, aos demais credores e ao fisco, no recebimento dos créditos.




Reunião com seis ministros




O presidente da CUT criticava as medidas adotadas por Palocci mas reconhecia o caráter democrático do governo. Após uma reunião de quase duas horas com uma força-tarefa de seis ministros - Palocci (Fazenda), Guido Mantega (Planejamento), José Dirceu (Casa Civil), Jaques Wagner (Trabalho), Ricardo Berzoini (Previdência) e Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência) - Felício deu razão ao presidente Lula, que condenou o corporativismo de parte do sindicalismo. ''O movimento sindical precisa ser mais cidadão'', disse ele. ''Lula pôs seis ministros numa mesa, é outra coisa lidar com quem te trata com respeito'', comentou.




Ao apresentar os ministros presentes, Mantega disse que à sua direita, ''mas só na localização geográfica'', estavam Jaques Wagner e José Dirceu. Ao passar aos ministros que estavam à sua esquerda, Palocci reagiu e disse que não estava apenas geograficamente nessa posição. ''Isso foi nos velhos tempos'', retribuiu Mantega. ''Simbolicamente, o governo atendeu à reivindicação de que houvesse uma negociação de alto nível. Este é o governo dos trabalhadores, o que por si só estabelece outro nível de diálogo'', resumiu o então ministro do Planejamento, dando à reunião o status de ''histórica''.




Reunião de Felício com Palocci




O ministro da Fazenda já era o alvo principal do movimento sindical. ''Já avisamos ao Palocci que vamos bater duro na política econômica do governo. Nosso lema é 'Mais emprego, mais salário''', disse Paulinho no evento do 1º de Maio de 2003. ''Se for preciso, vamos fazer mais greves para que o trabalhador possa recuperar em seu bolso as perdas da inflação'', afirmou. Lula sugeriu publicamente um ato único das centrais para poder participar do evento, mas os sindicalistas negaram que ele tenha feito a proposta de forma oficial. Felício disse que o presidente da República seria bem recebido no ato da CUT. ''O governo teve grandes conquistas. Conseguiu controlar a inflação, recuperar a credibilidade internacional do país e reduzir o valor do dólar. Mas o desemprego continua alto, em torno de 19%'', afirmou.




O presidente da CUT disse que numa reunião com o ministro da Fazenda perguntou a ele quando afinal a economia voltaria a crescer. ''Palocci disse que isso ocorrerá no segundo semestre. É o nosso desejo'', afirmou. Caso isso não ocorresse, disse Felício, a CUT continuaria a criticar o ministro. ''Tem muita gente na marginalidade e, sem crescimento econômico, continuaremos a ter patamares extremamente altos do desemprego'', afirmou. No entanto, Felício abrandou as críticas ao governo ao subir nos palcos de alguns dos nove eventos que a CUT preparou em São Paulo para celebrar o Dia Internacional dos Trabalhadores.




Divergências internas na CUT




Em Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, ele disse que ''2003 tem sido um ano diferente dos anteriores, pois o governo trouxe a esperança''. ''Com o Lula existe diálogo, há participação política da sociedade'', afirmou. ''Mas com certeza em 2004 teremos um ano melhor'', disse. E destacou que a CUT não trabalharia para amenizar tensões entre trabalhadores, patrões e governo. ''A outra central (Força Sindical) é que apoiou tudo o que o ex-presidente FHC propôs ao longo de oito anos'', disse. Felício afirmou ainda que a CUT trabalharia independente do governo.




Na CUT, as divergências internas haviam evoluido a ponto de dirigentes ligados às correntes "esquerdistas" cogitar a saída da central. Felício minimizou a crise. ''Não vamos assumir uma posição de quem só quer bater ou concordar com o governo. Vamos ser duros com a reforma da Previdência. Não concordamos com a taxação dos inativos'', disse ele. Felício compareceu também em um evento dos "esquerdistas" que aconteceu na praça da Sé. ''A CUT está unida. Vou estar em todos os atos onde a CUT estiver. Foi só pela imprensa que fiquei sabendo que este era um ato da esquerda. Eu sou de esquerda, logo tenho que estar aqui. Não sou radical. Sou, sim, radicalmente contra certos aspectos da reforma (da Previdência)'', disse Felício. Volto ao assunto na próxima coluna.



Osvaldo Bertolino, Jornalista

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