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55 anos da Federação

CUT-24 anos: central enfrenta golpistas


Por Osvaldo Bertolino
A saída de Luiz Marinho da presidência da CUT para assumir o Ministério do Trabalho ocorreu num momento em que a crise política atingia o pico. Em seu lugar, assumiu João Felício, depois de mais uma fase da acirrada disputa na Articulação Sindical, que conduziria a central de forma combativa no fogo da luta contra a campanha golpista da direita.





A discussão sobre a natimorta proposta de "reforma" sindical do Fórum Nacional do Trabalho (FNT) na CUT logo se encerrou. Havia uma questão mais importante para se discutir: a crise política criada pela direita. Os conservadores viram uma oportunidade de afastar o presidente Luiz Inácio da Silva do cargo quando o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciou o "mensalão" - esquema de captação de recursos para campanhas eleitorais por meio de "caixa dois" criado pela laia de banqueiros e corruptos que dominaram a "era FHC" e utilizado por alguns petistas.




A direita lutava com a "grande imprensa" numa mão o os grupos "esquerdistas" na outra. Mas a reação da esquerda foi imediata e contundente. No dia 21 de junho de 2005, a CUT, a UNE, o MST e outras entidades dos movimentos sociais divulgaram uma carta denunciando a desfaçatez da campanha golpista. O documento, chamado ''Carta ao Povo Brasileiro'', dizia que a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) era ''contra qualquer tentativa de desestabilização do governo, patrocinada pelos setores conservadores''.




Privatizações fraudulentas




O presidente da CUT, Luiz Marinho, disse que não acreditava no pagamento de mesadas a parlamentares. ''Não acredito na capacidade do PT de levantar esse valor'', afirmou. De fato, era uma impossibilidade física. "Imagine se 200 deputados recebessem R$ 200 mil todo mês - haveria um carro forte na frente do Congresso'', disse o coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile. "Isso aí é forçação de barra da imprensa e de quem denunciou. Cria-se então aquele factóide, aquela expectativa", disse ele.




A carta da CMS também criticava a política econômica, basicamente as taxas de juros, classificadas como as ''mais altas do mundo'', e a meta de superávit primário (contenção de recursos para pagamento de juros da ciranda financeira), de 4,25% do PIB. ''Se o governo Lula não mudar agora (os rumos da economia), a tendência é agonizar até 2006'', declarou o presidente da UNE, Gustavo Petta. O texto pedia ainda investigação de denúncias de compra de votos na aprovação da emenda da reeleição e dos processos fraudulentos de privatizações ocorridos na "era FHC".




A "convocação" de Marinho




No dia 9 de julho de 2005, Lula anunciou Marinho como o novo ministro do Trabalho. ''Acabei de ser convocado pelo presidente Lula para assumir o Ministério do Trabalho. E evidentemente que com uma convocação não se pensa'', disse Marino. ''Eu sou um soldado nesse projeto. Essa convocatória é para colaborar com o presidente, para conduzir o país a sair da crise e para ajudar a dar continuidade ao crescimento da economia'', afirmou.




Marinho disse também que foi convocado para a missão em virtude da crise política. ''Na medida em que o presidente pretende reforçar a ação no Congresso, mas não desguarnecer a equipe de governo, nessa condição fui convocado'', explicou. ''Se tivesse tudo na normalidade, isso não estaria acontecendo'', disse. O novo ministro do Trabalho também afirmou que teria o apoio ''do conjunto'' das centrais sindicais. Para ele, sua nomeação daria prestígio às entidades sindicais por ser uma pessoa ''com autoridade para negociar com o empresariado e interagir com o movimento sindical''.




Discurso de Wagner Gomes no Planalto




A Força Sindical apoiou a nomeação de Marinho. ''Trabalhamos para indicá-lo. Com ele, a reforma sindical pode sair. Ele não vai salvar o governo, mas será bom ministro'', disse Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, presidente da Força Sindical. Sobre a sua sucessão, Marinho disse que era uma questão ainda indefinida. O vice-presidente da central, Wagner Gomes, da Corrente Sindical Classista (CSC), assumiu interinamente a presidência da central.




No dia 11 de julho de 2005, Wagner Gomes participou, como presidente da CUT, de um ato de solidariedade das centrais sindicais ao presidente Lula no salão nobre do Palácio do Planalto. ''Não ousem tentar derrubar o operário Lula do poder no Brasil'', disse ele. E denunciou, perante cerca de mil lideranças sindicais, que ''figuras responsáveis por deixar o país nessa situação estão posando de bonzinhos''.




Compromisso da nova composição




A decisão sobre a sucessão de Marinho seria tomada numa reunião da direção executiva da CUT convocada especialmente para este fim. ''Haverá um debate dentro desse fórum, que deverá resultar na escolha do novo presidente'', disse o secretário nacional de Comunicação da CUT, Antonio Carlos Spis. O debate resultou na indicação de João Felício. A decisão passou por mais uma acirrada disputa na Articulação Sindical. Felício, que ocupava a função de secretário-geral da CUT, disputou o cargo com Artur Henrique da Silva Santos, então secretário de organização.




Felício recebeu o voto de 13 diretores da executiva - os outros 8 diretores presentes se abstiveram. Com a recomposição da direção, Arthur Henrique da Silva Santos passou a responder pela secretaria-geral. A CSC decidiu não apresentar o nome de Wagner Gomes porque obteve do presidente eleito o compromisso de que a nova composição da central priorizaria, nos dez meses até o 9º Congresso, as lutas pela recomposição do salário mínimo, pela redução da jornada de trabalho e contra a política econômica do governo.




Golpe elegante sem quartelada




O novo presidente da CUT disse que o fortalecimento do salário mínimo teria um papel chave "para uma bela e espetacular distribuição de renda, pois atinge não só milhões de trabalhadores da ativa, como aposentados". Felício também anunciou que a central não arredaria pé da luta contra a campanha golpista da direita. "Nós não aceitamos retrocesso neoliberal e nos posicionamos de forma firme contra o golpe que setores do PSDB, do PFL e da mídia vêm tentando dar, com declarações que beiram o fascismo", disse ele.




Para Felício, o golpe "elegante e sem quartelada" estava claro "quando determinados elementos tentam desqualificar permanentemente, de forma preconceituosa, um presidente operário e metalúrgico ou tentam colocar o partido de sustentação do governo na ilegalidade pelo fato de alguns de seus dirigentes terem incorrido em erros e deslizes". "Agora a campanha das vestais do PSDB e do PFL acalmou um pouco, pois foram surpreendidos com a mão no cofre", acrescentou.




Ato do "esquerdismo infantil"




Quando a direita tentou desqualificar a participação da central na campanha contra os golpistas, Felício reagiu à altura. "A CUT é apartidária mas não apolítica. Nós queremos a reeleição do presidente Lula, não queremos de volta os neoliberais que venderam nossas estatais a preço de banana. Ao mesmo tempo, não abrimos mão do direito de divergência e vamos às ruas para defender e apoiar mudanças com Lula, pois é o presidente que tem condições de construir o Brasil altivo e soberano, não subalterno nem submisso", disse.




Sobre a relação da central com o novo ministro do Trabalho, Felício também foi enfático. ''A CUT sempre manteve sua autonomia, durante a gestão de Marinho inclusive. A CUT não vai ter nenhuma relação promíscua com o Ministério do Trabalho porque um ex-dirigente aceitou o cargo de ministro. A CUT não participa da indicação de ministros'', disse ele.




Uma prova disso foi dada no dia 16 de agosto de 2005, quando a central fez um ato em Brasília, em conjunto com o MST, a UNE e outra organizações dos movimentos sociais, para exigir mudanças na política econômica e protestar contra os golpistas. No dia seguinte, grupos "esquerdistas" promoveram um ato contra Lula, também em Brasília, com a palavra de ordem "Fora todos!" - e receberam elogios efusivos da direita. Felício classificou o ato como ''esquerdismo infantil''.




Radicalização da democracia




Em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo no dia 24 de agosto de 2005, Felício voltou a rebater com contundência a tentativa dos conservadores de desqualificar a participação da CUT na campanha em defesa de Lula. "A CUT não mudou de lado, continua coerente e autônoma. Não lutamos contra a corrupção e pela ética na política em determinadas ocasiões ao sabor das conveniências. Organizamos essa e outras lutas por justiça social desde a década de 80, ao lado de aliados históricos", disse ele.




Felício pôs o dedo na ferida. "Não seremos tolos para cerrar fileiras com as vestais da direita saudosas do período em que mamaram nas tetas da nação e dilapidaram o patrimônio brasileiro. Contra a corrupção, nossa proposta é a radicalização da democracia", escreveu. Ele defendeu a reforma política para acabar com o financiamento privado de campanhas e denunciou a "pirotecnia eletrônica para ganhar votos". "A CUT vai continuar sendo um espaço de representação, ação e conquista dos trabalhadores organizados, a despeito do macarthismo redivivo dos últimos tempos", finalizou.




A "agenda dos trabalhadores"




Na gestão de Felício, a CUT participou de vários outros atos contra a campanha da direita para encurralar Lula. No dia 19 de outubro de 2005, a central ocupou o Congresso Nacional para apresentar aos deputados e senadores 25 projetos que faziam parte da ''agenda dos trabalhadores'' a fim de estimular a economia, criar empregos e pedir que ''o Brasil não pare''. As propostas incluíam temas como salário e emprego, redução da jornada de trabalho e políticas públicas.




A ''agenda dos trabalhadores'' também foi entregue a Lula e aos ministros Luiz Marinho (Trabalho), Nelson Machado (Previdência), Miguel Rosseto (Desenvolvimento Agrário) e Antonio Palocci (Fazenda). "Queremos discutir a política de juros e o superávit primário, que impedem que o orçamento disponível seja aplicado para garantir recursos a projetos sociais'', afirmou Felício.




Símbolo da maldade e da violência




O presidente da CUT também assumiu corajosamente a defesa do mandato do deputado José Dirceu (PT-SP), que seria covardemente cassado pela campanha dos golpistas. "Defendemos o mandato do deputado José Dirceu. Não precisamos desculpá-lo por seus equívocos, concordar com suas atitudes ou subscrever suas idéias. Mas a cassação desse parlamentar seria uma afronta às regras democráticas cuja conquista custou tanta luta e sacrifício", disse Felício.




A CUT também participou ativamente das manifestações contra a visita oficial ao Brasil do presidente norte-americano, George W. Bush. ''Ao longo da história política do Brasil e da América Latina, sempre houve uma ingerência muito pesada do governo norte-americano, fruto da Guerra Fria e de sua política externa, o que faz com que os movimentos sociais não gostem dos governantes dos Estados Unidos, ainda mais se tratando de alguém, como o Bush, que simboliza a maldade e a violência'', disse o presidente da CUT.




Felício processa deputada tucana




No começo de 2006, a CUT também se destacou na discussão do reajuste do salário mínimo e da correção da tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas. E despertava cada vez mais a ira da direita. Segundo o jornal Debate, que circula no município de Ourinhos (SP), em sua edição do dia 27 de janeiro, a deputada federal tucana Zulaiê Cobra pediu o fechamento da sede local da CUT e chamou os cutistas de ''assassinos''.




Zulaiê teria dito: ''Estava vindo para cá e vi o escritório da CUT. Pelo amor de Deus, fecha esse troço. A CUT não presta para nada. É uma cambada de mentirosos, falsos, covardes, bandidos e assassinos.'' Felício disse que a deputada agrediu ''pessoas'' e ''não a entidade'', por isso iria processá-la judicialmente. A deputada tentou se justificar. ''Eu afirmei que o pessoal da CUT é assassino porque eles tentam acabar com a honra alheia'', disse ela, que estava respondendo a processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho da Ética, a pedido do PT, por ter chamado Lula de ''bandidão''.




Choque de inclusão social




A campanha da direita recrudescia. No dia 25 de abril de 2006, a CUT, a UNE e o MST reuniram-se com os presidentes do PT e do PCdoB, Ricardo Berzoini e Renato Rabelo, para definir a realização de atos em defesa de Lula. ''Esse tipo de mobilização tem dois objetivos. Primeiro, a defesa do mandato do presidente e, ao mesmo tempo, as reivindicações que esses movimentos apresentam ao presidente'', disse Renato Rabelo. ''É uma reposta a essa situação política que vivemos hoje. Há um desespero por parte da direita que procura a todo custo retornar ao poder'', completou.




No ato da CUT do 1º de Maio em São Paulo, Felício pregou a união entre as entidades dos movimentos sociais para enfrentar os golpistas. ''Os movimentos sociais têm que continuar unidos e organizados. É a CUT junto com a UNE, a CGTB, o MST e o que há de mais ético na vida política nacional'', discursou. "Esse tucanozinho (Geraldo Alckmin, já definido como candidato da direita para enfrentar Lula nas eleições presidenciais de 2006) aí anda falando que é necessário um choque de gestão. Lula respondeu muito bem. Isso é coisa de burocrata, isso é coisa de almofadinha, de gente desligada do povo. É necessário choque de inclusão social'', afirmou Renato Rabelo.




Profundidade das divergências




À essa altura, com a aproximação do 9º Congresso, o mandato temporário de Felício estava terminando. Iniciava-se mais uma fase da disputa acirrada pela presidência da central na Articulação Sindical. Felício e Artur Henrique Silva Santos voltaram a pleitear a indicação para o cargo. Desta vez, Artur Henrique Silva Santos venceu a disputa e no 9º Congresso foi eleito - com apoio da CSD - presidente com 69% dos 2,5 mil votos. A chapa encabeçada por Wagner Gomes, da CSC - apoiada por O Trabalho, Tendência Marxista e Articulação de Esquerda -, obteve 24,5% dos votos. E a chapa encabeçada por Lujan Miranda, ligada ao PSOL, 6,4%.




A disputa entre Felício e Artur Henrique Silva Santos expôs, mais uma vez, a profundidade das divergências na Articulação Sindical. "Somos da mesma corrente. Não acho que existam dois projetos diferentes, mas sim o que você realça mais. Eu sou um radical autonomista, acho que central sindical é central sindical e governo é governo. Eu enfoco isso no meu discurso. Não acho que neste ponto hajam grandes diferenças com Artur, mas eu enfoco muito isso", disse Felício. Volto ao assunto.



Osvaldo Bertolino, Jornalista

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