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55 anos da Federação

Esqueceram a taxa de juros

Ao levar a cabo a diretriz do austericídio, Meirelles promoveu a combinação perversa de uma política monetária de arrocho inigualável no mundo com uma política fiscal também prá lá de restritiva. Assim, tudo o que o governo do golpeachment tem para oferecer aos brasileiros se resume ao binômio: i) manutenção generalizada de juros elevadíssimos; ii) redução da capacidade de implementar políticas públicas a favor da maioria excluída pela obstinação com o corte de verbas do orçamento.

Com essa verdadeira “operação arraso”, os resultados que foram sendo colhidos estão expressos, dentre tantos aspectos, no desemprego de 14 milhões de trabalhadores e na falência generalizada das empresas pelo Brasil afora. O País enfrenta a maior recessão de sua História, com uma queda sequencial do Produto Interno Bruto jamais vista anteriormente. Em 2015 o PIB sofreu uma redução de 3,8% e no ano passado essa diminuição foi de 3,6%.

Austericídio e queda da inflação

Ora, frente a tal quadro desesperador, é perfeitamente compreensível que os dados da inflação também fossem afetados. Ao manter a taxa de juros na estratosfera, a intenção era justamente a de provocar redução no ritmo de atividade e impulsionar o desemprego. Com isso, os preços realmente baixaram de uma forma geral. Na visão comprometida do tecnocrata financista, pouco importam os efeitos sociais da medida adotada. O essencial é a jactância com a confirmação de que seu método obtuso da economia da planilha funcionou. Ele se mira no espelho, todo orgulhoso, e aponta o dedo impositivo: “Não falei que a inflação iria baixar?”.

É verdade que houve um momento em que a inflação havia superado o limite superior da meta (6,5%) e a situação exigia cautela e prudência. Mas qualquer manual de macroeconomia oferece medidas alternativas ao indesejável aprofundamento recessivo. A opção pelo cardápio da ortodoxia conservadora terminou por levar o bebê junto com a água suja do banho. O crescimento dos preços medido pelo IPCA chegou a 10,7% durante o ano de 2015. Na sequência baixou para 6,3% em 2016 e deve fechar o ano agora abaixo de 3%. Esse ritmo de redução dos níveis de inflação se explica essencialmente pela drástica queda observada na capacidade de consumo da grande maioria da população e pela falta de estímulo para qualquer tipo de medida de aumento da capacidade por parte dos empresários. E isso tudo sem mencionar a deliberada ação para evitar qualquer tipo de protagonismo no Estado para sair da crise.

Com isso, até mesmo o raciocínio liberaloide dos representantes do financismo no comando da economia aceitou a evidência da necessidade da queda dos juros. Assim, a partir de setembro do ano passado, em meio à quebradeira que se espalhava por todos os cantos do território nacional, Meirelles e Goldfajn finalmente se renderam às evidências. O COPOM passou a decidir em suas reuniões periódicas a cada 45 dias pela queda na SELIC. Dessa forma, a taxa oficial de juros saiu de 14,25% para os atuais 8,25. Assistimos a uma sequência de 8 reuniões consecutivas em que a opção majoritária dos membros do Comitê deu-se pela queda dessa importante taxa, uma vez que a mesma serve de parâmetro para a formação das demais taxas do mercado financeiro.

Taxa real de juros subiu


No entanto, a orientação da política econômica parou na metade do caminho. Ao ignorar os efeitos da redução da taxa de inflação, o comando da equipe fez ouvidos de mercador aos alertas de todos os que insistíamos em que fosse aprofundada ainda mais a redução na taxa de juros. Sim, pois o fato relevante é que o fenômeno monetário antepõe uma nuvem embaçada à frente dos cidadãos e a maioria não percebe que a taxa real de juros, na verdade, estava era subindo. A redução no ritmo de crescimento de preços tem siso muito mais acentuada do que a diminuição na SELIC.

Além disso, outro fator agravante desse quadro refere-se à ausência do órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro. Ao contrário do que deveria ser a sua função primordial nesse mercado concentrado e oligopolizado, o Banco Central faz cara de paisagem e ignora a espoliação praticada pela banca junto a todos os demais segmentos da sociedade e da economia. Os spreads embutidos nas operações em nosso país sempre foram reconhecidos pela marca de campeões mundiais. Tanto que as instituições financeiras compõem o único setor que não tem apresentado perdas com a crise recessiva prolongada. Pelo contrário, os bancos continuam a registrar seus lucros bilionários em meio ao desastre em que o Brasil foi metido.

As taxas cobradas por operações com pessoas jurídicas ou pessoas físicas são enormes. Variam de acordo com o tipo de dinheiro que o banco oferece, mas sempre se caracterizam pela chamada “boca de jacaré” com que o tomador é devorado. A tabela abaixo escancara a gravidade da situação. Selecionei um tipo de empréstimo que se generalizou ao longo dos últimos anos e que a maioria das pessoas ainda não identifica claramente como operação tipicamente creditícia. Trata-se do saldo devedor do cartão de crédito, situação em que os bancos cobram a taxa mais extorsiva de que se tem notícia.

Taxa de juros: espoliação institucionalizada


A simples comparação com a taxa básica (SELIC), que representa o verdadeiro custo do dinheiro para a instituição financeira, já seria motivo de intervenção federal nesse setor onde a espoliação cada vez mais se naturalizou como prática corriqueira e inescapável. Atualmente, por exemplo, os bancos cobram dos clientes pessoas físicas uma taxa média próxima a 400% anuais pelo saldo no cartão. Isso significa que eles apresentam um encargo financeiro quase 50 vezes maior do que o seu custo básico - a SELIC.



Além disso, os dados apresentados pelo próprio Banco Central revelam que o diferencial praticado pela banca só fez aumentar à medida que o Brasil se afundava no quadro recessivo. Em setembro de 2014, por exemplo, a já considerada exorbitante taxa praticada no saldo do cartão de crédito era de 312% ao ano. Ela se apresentava 28 vezes maior do que a SELIC.

Um ano depois, a SELIC havia subido para 14,25% e a taxa dos cartões também se elevou, ficando situada na média de 414%. Ou seja, a taxa cobrada representava 29 vezes o montante da taxa básica. Doze meses depois, em setembro de 2016, a SELIC estava no mesmo patamar que antes, mas o taxa cobrada estava ainda mais alta - 491%. Um diferencial de 34 vezes maior que a SELIC.

E agora, dois anos e meio depois de plena recessão, o quadro é ainda mais drástico. A ilusão monetária da queda da SELIC para 8,25% não nos deixa perceber que os 397% da taxa do cartão são ainda mais extorsivos. Eles representam uma alta no diferencial, pois a relação entre as taxas chega agora a 48 vezes. Meirelles e Goldfajn festejam a queda da inflação para o grande público, mas a comemoração verdadeira fica para dentro do sistema, com direito a brindes a portas fechadas. Os ganhos do mundo do financismo nunca foram tão expressivos.

O mesmo fenômeno ocorre com praticamente todas as taxas e operações oferecidas pelo sistema financeiro. Não é outra a razão para o tal “esquecimento” da taxa de juros por parte dos principais analistas do mercado financeiro. A maioria dos órgãos de imprensa tende a louvar o que chama de “bons serviços prestados” pela duplinha dinâmica de banqueiros no comando de nossa economia, mas escondem para debaixo do tapete o escândalo da continuidade, e mesmo aprofundamento, de drenagem institucionalizada de recursos de toda a sociedade para os cofres dos bancos.

 paulo kliass2013 Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

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