Fazer ressoar a voz da Bahia
Há quarenta e um anos convivemos com uma versão falsa sobre as circunstâncias em
que morreu o grande baiano Anísio Teixeira. Ele teria caído no fosso do elevador
do edifício onde morava Aurélio Buarque de Holanda, a quem ia visitar. Mas no
edifício ninguém viu nada, o porteiro não testemunhou coisa alguma, seu corpo
estava em posição incompatível com a queda.
O membro da Academia
Brasileira de Letras Afrânio Coutinho e os professores da Faculdade de Medicina
da UFRJ, Domingos De Paula e Francisco Duarte Guimarães Neto, ambos
anatomopatologistas, assistiram à autópsia e rejeitaram a hipótese do acidente,
acharam que houve assassinato. Na edição do dia seguinte ao enterro do mestre,
15 de março de 1971, o jornal Última Hora, em longa cobertura jornalística,
registrou “outra conclusão da polícia: acidente é praticamente impossível, a
posição do corpo fere tudo o que já foi visto até hoje sobre acidente. Alguém
matou e colocou ali o cadáver do Professor Anísio Teixeira”. É a opinião de
familiares e dos que se debruçam na análise do ocorrido.
O
assunto voltou à baila agora com a criação da Comissão Nacional pela Verdade e
da Comissão pela Memória e Verdade Anísio Teixeira da Universidade de Brasília.
Na instalação desta, o professor João Augusto Lima Rocha, da Politécnica da
Bahia, perante uma platéia atônita, de uma Universidade fundada por Anísio,
desmascarou a versão da morte por queda no fosso de elevador.
Familiares
elaboramos, com o professor João Augusto, um Memorial dos principais
acontecimentos ocorridos desde que o professor desapareceu até seu sepultamento.
Em sessão conjunta das duas comissões, agora, no início de novembro, o professor
da UFBA Carlos Antonio Teixeira, filho de Anísio, entregou o Memorial a cada uma
das comissões.
A Comissão Nacional da Verdade foi criada para desvendar
episódios controvertidos da época da ditadura. Desses, onde pereceram diversos
brasileiros, talvez o mais pungente, seja o da guerrilha do Araguaia. E dos que
envolvem a morte de uma personalidade de grande destaque nacional, talvez o mais
chocante, seja o que ceifou a vida de Anísio Teixeira.
Anísio Teixeira
vítima da ditadura parece não ter lógica, pensam alguns. Mas o crime não tem
lógica. Seu provável assassinato, contudo, não foi algo incompreensível,
como
um raio que cai em céu azul. Anísio era uma referência em educação no Brasil.
Mas não uma referência neutra. Para ele, a educação era uma questão de Estado,
daí ser chamado de “estadista da educação”. Lançou, em título de livro, a idéia
de que “Educação não é privilégio”, desfraldou a bandeira da escola pública,
universal, gratuita e de boa qualidade, implantou a escola em tempo integral,
favoreceu verba pública para escola pública. Pensador progressista, era tido
como perigoso pelos setores mais recalcitrantes.
Sabe-se hoje que, no
Rio, entre 1968 e 1971, houve uma facção da ditadura que tentou realizar ações
terroristas que, por pouco, não dão em enorme tragédia. A essa facção ligam-se
os assassinatos de Rubens Paiva, em janeiro de 1971, e de Stuart Angel, em maio.
Anísio morreu em março do mesmo ano.
Na sessão conjunta entre as duas
comissões, um acordo foi assinado garantindo apoio mútuo nas averiguações. Isto
seguramente ajudará. Mas, membros das duas comissões consideraram importante uma
movimentação mais ampla, demandando solução para o problema, com a participação
de personalidades e órgãos diversos.
Daí porque seria extremamente
oportuno educadores, outros profissionais da área, estudantes, intelectuais,
parlamentares, governantes e universidades e entidades várias fazerem ressoar a
voz da Bahia junto à Comissão Nacional da Verdade, alertando-a sobre a
imperiosidade de que a Verdade sobre o que aconteceu com Anísio Teixeira seja
enfim proclamada.
Não há dúvida de que extrair a Verdade de acontecimento
tão controverso, passados 41 anos, é difícil. Mas não impossível. Difícil mesmo
é a Nação conviver indefinidamente sem saber o que aconteceu com um de seus mais
ilustres filhos, o Professor Anísio Teixeira.
Haroldo Lima – ex-Deputado
Federal pela Bahia,
ex- Diretor Geral da Agência Nacional do Petróleo,
Gás
Natural e Biocombustíveis, é sobrinho de Anísio Teixeira.