Estudo inédito: Combate ao trabalho infantil perde o foco na Integração PETI-Bolsa-Família
Os gestores municipais preocupam-se em checar apenas se a renda das famílias permite que as mesmas sejam inseridas no PBF, mas deixam de verificar se os filhos estão trabalhando ou não.
A integração entre o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Programa Bolsa-Família (PBF) está trazendo prejuízos às crianças e adolescentes que têm sua mão-de-obra explorada.
Falhas cometidas na hora de inserir os dados desse público no Cadastro Único (CadÚnico) do Governo Federal tem deixado boa parte desses meninos e meninas de fora das Ações Socioeducativas e de Convivência previstas no PETI.
Consideradas por especialistas como o carro-chefe do combate ao trabalho infantil, essas ações consistem na oferta de atividades esportivas, culturais e de reforço escolar no turno contrário ao da escola. Uma forma de manter a criança ocupada e longe da exploração.
Estas são conclusões de uma análise sobre o processo de integração dessas políticas produzida pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. A pesquisa inédita baseou-se em documentos oficiais dos dois programas, obtidos junto aos ministérios do Desenvolvimento Social (MDS), do Planejamento, do Trabalho, do Tribunal de Contas da União (TCU) e outras instituições públicas envolvidas, além de entrevistas com gestores nacionais dessas duas políticas. A íntegra do trabalho pode ser conferida no endereço eletrônico http://www.fnpeti.org.br/.
Trabalho infantil não é prioridade das prefeituras
Isa Maria de Oliveira, coordenadora do Fórum Nacional, explica que os problemas ocorrem porque, com a integração, a retirada das crianças do trabalho, principal objetivo do PETI, acabou dando lugar ao combate à pobreza, foco prioritário do Bolsa-Família. Com isso, os gestores municipais preocupam-se em checar apenas se a renda das famílias permite que as mesmas sejam inseridas no PBF, mas deixam de verificar se os filhos estão trabalhando ou não, o que deve ser informado no campo 270 do formulário do CadÚnico. "Diferentemente da renda, o trabalho infantil é uma condicionalidade pouco checada junto às famílias", afirma. Segundo Isa, a gestão nacional do Bolsa-Família, também não tem cobrado essa atenção das prefeituras.
Pelas regras definidas no processo de integração, toda criança que trabalha e é inserida no CadÚnico deve ser encaminhada para participar obrigatoriamente das Ações Socioeducativas do PETI. Se a informação sobre sua condição é omitida, a família recebe o benefício em dinheiro do PBF, mas o jovem deixa de ser atendido.
O documento do Fórum Nacional também revela que, se por um lado há descuido das prefeituras no registro, por outro há o interesse de muitos pais de que os filhos continuem trabalhando para ajudar no sustento, o que os leva a esconder das autoridades esta situação. "A fiscalização do trabalho infantil nos municípios é frágil ou inexistente. E como a transferência de renda não é articulada com uma política efetiva de sensibilização das famílias nesse ponto, elas omitem essa informação", explica Isa Maria.
Falhas têm reflexo no orçamento
A integração PETI-PBF começou em 2006, com o objetivo de eliminar a duplicidade de benefícios e otimizar o repasse das bolsas. Segundo o MDS, 70% dos beneficiados pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil também estavam incluídos no Bolsa-Família. A inserção desse público no CadÚnico permitiria detectar tais casos. Pelas regras definidas na Portaria n° 666/05, a família que tem renda per capita mensal inferior a R$ 100 passa a receber pelo PBF. Já aquela que possui rendimento superior, continua com a bolsa do PETI.
Com a mudança, a maior parte do orçamento do PETI, 80%, foi direcionada para o financiamento das Ações Socioeducativas, que atendem crianças beneficiadas pelos dois programas. Para executar essas atividades os municípios recebem R$ 20 mensais per capita por beneficiário. Mas as falhas cometidas na identificação dos meninos e meninos em situação de trabalho vêm interferindo negativamente na execução dos recursos.
A meta do MDS para 2006, registrada na Lei Orçamentária Anual (LOA), previa que 3,2 milhões de crianças em situação de trabalho infantil estivessem no Cadastro Único e fossem contempladas pelas Ações Socioeducativas. Estavam orçados R$ 306 milhões para essa finalidade. Até o final do ano passado, no entanto, o número de jovens atendidos era 854.320, e tinham sido gastos R$ 199 milhões (65%), de acordo com dados do SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) fornecidos pela ONG Contas Abertas. Segundo o Fórum Nacional, o valor é menor do que o que foi consumido em 2005. Naquele ano, quando ainda não existia a integração, foram gastos R$ 201,4 milhões. "Em parte isso ocorreu porque não foi possível inscrever no CadÚnico todas as crianças/adolescentes e famílias anteriormente beneficiárias do PETI; estimava-se 1,1 milhão, e foram inscritas 862.700", afirma o relatório produzido pela entidade.
Na LOA 2007, a meta foi ajustada. Está previsto o atendimento a 1,5 milhão de jovens, com recursos de R$ 316,3 milhões. Mas a distância entre o planejado e o efetivamente executado persistem. Segundo dados do MDS, até junho deste ano 877.618 crianças (58,5% da meta) em situação de trabalho estavam no CadÚnico. E até 18 de julho foram gastos R$ 123,4 milhões (39,1%) dos recursos previstos para execução Ações Socioeducativas, conforme revelam os dados do SIAFI.
Beneficiários do PETI eram desconhecidos
Na avaliação do Ministério do Desenvolvimento Social, os problemas com o CadÚnico e o conseqüente reflexo na execução orçamentária decorrem de deficiências técnicas dos municípios para inserir os dados no sistema, inclusive à alta rotatividade de pessoal. Os funcionários que eram capacitados pelo MDS rapidamente saíam do posto.
O órgão também reconhece que não havia controle sobre quem eram os beneficiados do PETI. "Com a integração, o gestor que recebeu os recursos e fez um convênio para mil meninos, por exemplo, descobriu que tinha 500. Isso comprometeu as Ações Socioeducativas em alguns municípios. Eu fui em cidades que tinham quatro mil crianças no PETI, mas na hora que se colocou os dados no Cadastro apareceram duas mil", exemplifica Ana Ligia Gomes, secretária Nacional de Assistência Social.
Segundo Ana Lígia, o Ministério solicitou às prefeituras que enviassem os nomes das crianças atendidas, mas não havia retorno. Descobriu-se então que os municípios não tinham esse controle. O MDS trabalha com duas hipóteses: ou os meninos não existiam ou então não estavam em situação de trabalho infantil. "Se os gestores não conseguiram identificar as crianças, não podemos passar recursos das Ações Socioeducativas. Ainda que haja orçamento, eu tenho uma execução ruim", explica a secretária Nacional de Assistência Social.
O economista João Guerreiro, da ONG Ação pela Cidadania, credita as dificuldades à incapacidade da maioria dos municípios de lidar com toda a demanda de beneficiados pelos programas sociais. "É gente demais para pouca estrutura, o que gera um preenchimento incorreto da ficha do CadÚnico". Guerreiro também comenta a alta rotatividade das pessoas responsáveis por cadastrar as famílias. "Em muitos municípios os técnicos são funcionários de confiança. Eles são capacitados e no ano seguinte saem da função. É preciso criar políticas para que essas equipes sejam mais perenes", diz.
Fonte: http://www.andi.org.br/