TRABALHO ESCRAVO - Política financiada pela lista suja
"Levantamento é luz amarela" Especialista no combate ao trabalho escravo, Leonardo Sakamoto diz que eleitor deve redobrar vigilância sobre políticos financiados por empresas autuadas por exploração de mão-de-obra Lúcio Lambranho - Congresso em Foco ![]() ![]() O alerta é feito por um dos principais estudiosos do tema no país, o jornalista Leonardo Sakamoto, doutor em Ciência Política e coordenador da ONG Repórter Brasil, especializada em denunciar práticas de exploração de mão-de-obra. "O levantamento é uma luz amarela. Um alerta para que dediquemos atenção redobrada a esses políticos, esses empresários, seu comportamento e suas relações", avalia Sakamoto. Embora ressalte que nem sempre os candidatos financiados por empresas autuadas pelo Ministério do Trabalho compartilhem das práticas de seus doadores, Sakamoto vê com preocupação a possibilidade de os candidatos eleitos atenderem a reivindicações de seus financiadores. "O ato da doação é um indício de que o doador comunga das propostas do candidato, deseja que ele o represente politicamente, seja por suas idéias, seja por sua classe social ou quer criar um vínculo por meio desse apoio em campanha", afirma. Polêmica Na recente polêmica sobre a libertação de 1.064 trabalhadores da empresa Pagrisa, no interior do Pará, Sakamoto acabou virando alvo da senadora Kátia Abreu (DEM-TO). A senadora, que é relatora da comissão externa do Senado que contesta a fiscalização do grupo móvel do Ministério do Trabalho na maior produtora paraense de etanol (leia mais), não gostou da abordagem do assunto feita pelo site da ONG, à qual acusa de perseguição. "Quero dizer-lhe, de público, que vou processá-lo por calúnia e difamação. O senhor é um irresponsável que mama nas tetas do governo, que financia esse site irresponsável, o qual não tem crédito", acusou Kátia, em plena tribuna do Senado, há duas semanas. "Meu cargo na direção da Repórter Brasil não pode, nem é remunerado, como manda o estatuto da entidade. Minha remuneração, até hoje, veio de bolsa de pesquisa e consultorias, pois também sou cientista político", defende-se o jornalista em seu blog e no site da Repórter Brasil (clique aqui para saber mais sobre a ONG). Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Sakamoto revela detalhes sobre os bastidores do trabalho escravo no país e das reiteradas pressões dos parlamentares para que o governo voltasse atrás no caso Pagrisa, além de mostrar como o problema do trabalho escravo está associado com o processo de reforma agrária. "No Brasil há uma sensação de inviolabilidade da propriedade privada. A propriedade privada é um bem que está acima do bem e do mal. Ela é quase uma religião", diz o jornalista ao se referir à falta de interesse do parlamentares em aprovar a chamada PEC do Trabalho Escravo, parada na Câmara há três anos. Leia abaixo os principais trechos da entrevista: Congresso em Foco - Ao todo, 25 políticos declararam à Justiça Eleitoral ter recebido dinheiro de empresas incluídas na "lista suja" do trabalho escravo na campanha do ano passado. Que implicações isso tem? Leonardo Sakamoto - O ato da doação é um indício de que o doador comunga das propostas do candidato, deseja que ele o represente politicamente, seja por suas idéias, seja por sua classe social ou quer criar um vínculo por meio desse apoio em campanha. O benefício trazido pela doação não precisaria vir em assuntos diretamente relacionados ao trabalho escravo contemporâneo, mas em outros temas que dizem respeito à defesa da expansão do capital em determinada região ou ramos de atividade, por exemplo. Com base nesse levantamento, pode-se afirmar que esses empregadores estão representados politicamente, mas não que esses representantes têm agido, necessariamente, em prol de seus financiadores de campanha. O levantamento é uma luz amarela. Um alerta para que dediquemos atenção redobrada a esses políticos, esses empresários, seu comportamento e suas relações. O grupo móvel coordenado pelo Ministério do Trabalho, que já libertou mais de 25 mil trabalhadores desde 1995, suspendeu em protesto a fiscalização. Como a coisa chegou a esse limite? Entre junho e julho deste ano, o grupo móvel de fiscalização do governo federal, que é composto por procuradores do trabalho, policiais federais e coordenado por auditores fiscais do trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, apurou uma denúncia de trabalho escravo e resgatou 1.064 trabalhadores da fazenda Pagrisa, em Ulianópolis, no Pará. A Pagrisa produz açúcar e álcool. O que aconteceu foi que a Pagrisa reclamou. Durante meses, foram à fazenda entidades e classe, representantes de entidades da sociedade civil que criticaram a fiscalização, pressionaram e, agora, isso acabou acontecendo. As distribuidoras de combustível que são signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo cortaram a comercialização de etanol com a Pagrisa. Não sabemos exatamente quem cortou as compras com a Pagrisa, mas as que assinaram o pacto foram, por exemplo, Petrobras, Ipiranga, Shell, Esso e Texaco. Qual é o principal argumento dos proprietários da Pagrisa? Eles alegam que aquilo não era trabalho escravo, que não era uma situação de escravidão, que a usina estava perfeita e que, na verdade, os fiscais queriam só aparecer na mídia. E que não havia nenhuma situação de escravidão, apenas irregularidades trabalhistas. Desde então, tem havido uma pressão forte no Ministério do Trabalho para que a situação seja revista. O relatório de fiscalização tem 5 mil páginas, foi entregue para outros órgãos para as devidas providências. Só que essa pressão chegou até o gabinete do ministro Carlos Luppi. Houve uma visita do senador Flexa Ribeiro (PSDB) e dos deputados Giovanni Queiroz (PDT) e Paulo Rocha (PT), todos do Pará. Eles foram junto com o proprietário da Pagrisa e outras entidades de classe pressionar o ministro Lupi e a secretária de Inspeção do trabalho, Ruth Vilela, para que fosse revisto o posicionamento dos fiscais. Mas há dois fóruns para se discutir exatamente a fiscalização feita. Um é o fórum judicial; o outro, o fórum administrativo. Toda pessoa que é autuada pelo Ministério do Trabalho e Emprego tem direito à defesa. O que os senadores reclamaram foi que a Petrobrás e outras empresas cortaram a comercialização. Essa foi a estratégia da defesa. Só que a Petrobrás e as outras empresas são de atuação privada. Ninguém fala o que eles devem fazer ou não. Eles perderam porque, independentemente, o trabalho escravo foi encontrado na propriedade. O que aconteceu foi que, desde então, tem havido pressões. O Senado Federal constituiu uma comissão externa para avaliar a situação da Pagrisa. Essa comissão foi formada pela senadora Kátia Abreu e pelos senadores Flexa Ribeiro, Romeu Tuma (DEM-SP), Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e Cícero Lucena (PSDB-PB). Vocês acompanharam essa visita dos senadores? Segundo o senador José Nery (Psol-PA), que também faz parte dessa comissão, ele solicitou a entrada de outros membros da sociedade civil ou membros que atuam no combate ao trabalho escravo nessa visita. Mas isso foi negado pelos outros senadores. Os senadores foram lá e constataram que a situação na Pagrisa estava boa. É claro que é um pouco temerária essa afirmação, porque eu não estou falando que antes a situação estava ou não estava boa. Estou falando que é complicado porque o grupo móvel de fiscalização e toda a fiscalização do trabalho só se tornam eficientes quando não avisam o proprietário da fazenda que estão indo visitar. Por isso, o grupo móvel não avisa ninguém, nem as DRTs locais, ele vai e pronto. Os senadores avisaram. Por que o grupo móvel resolveu interromper as fiscalizações? Na verdade, pelo que a gente está avaliando, pela cobertura que estamos fazendo do assunto, foi um crescente. Houve toda uma pressão em cima do ministro, mas isso já houve outras vezes. É comum pessoas autuadas visitarem o ministro. O Ricardo Berzoini mesmo já expulsou em outros momentos, quando ele era ministro, advogados de empresas que foram lá pressionar e ameaçar. E sempre a autuação se manteve. O que aconteceu agora é que houve uma pressão, a pressão foi aumentando e essa comissão externa foi lá. Eles criaram o fato político. E numa situação em que os senadores não são capazes de reconhecer uma irregularidade trabalhista. Mas quando você avisa com antecedência que está indo para o lugar, e com uma visita tão ilustre, como a de cinco senadores da República, é claro que vão arrumar a casa. E o que acontece é que eles voltaram falando que não foi encontrada nenhuma situação semelhante à escravidão. E que, a partir disso, eles iam pedir um inquérito para a Polícia Federal. O interessante é que a própria Polícia Federal participou da ação de libertação. Quais são as conseqüências dessa polêmica na sua avaliação? Houve o pedido de inquérito para a Polícia Federal apurar as irregularidades. E esses senadores falaram que iam entrar em contato com os demais congressistas para alterar a legislação que diz respeito ao trabalho escravo. Para melhorar a conceituação, para dizer mais claro o que é trabalho escravo. Ou seja, mudança de lei. O problema é que as entidades que atuam no combate do trabalho escravo não acham que, no caso desta lei, ela precise ser mudada. Ela precisa ser aplicada. É diferente. E como é que está a PEC do Trabalho Escravo? Foi apresentada a primeira proposta em 1995. E, depois disso, ela tramitou e foi aprovada no Senado em 2003, em duas votações. Na Câmara, ela só foi aprovada em primeiro turno, há três anos, por 326 votos a favor, dez contra e oito abstenções. E isso só aconteceu porque houve o assassinato naquele ano de quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego durante uma fiscalização em Unaí (MG). Criou-se uma comoção popular, tanto que se pressionou pela aprovação. Falta ainda o segundo turno e, na época, muitos deputados criaram uma série de restrições para se colocar em votação a PEC. O que acontece é que a bancada ruralista pressionou e fez de tudo para que não fosse aprovada. A própria senadora Kátia Abreu (DEM-TO), então deputada, foi uma das pessoas contrárias à PEC, colocando vários obstáculos à aprovação da proposta. O que acontece é que até hoje, 12 anos depois, estamos tentando aprovar a PEC 438/2001. Qual é o impacto dessa medida? De 1995, quando o governo Fernando Henrique Cardoso instituiu o grupo móvel de fiscalização, que é esse grupo que liberta os trabalhadores, cerca de 26 mil já foram libertados. É um número importante. De qualquer maneira, essa comissão do Senado fez barulho. Começou a falar na imprensa que era absurdo, que nada disso acontecia na Pagrisa. E acabou que, no dia 28 de setembro, a Ruth Vilela, a secretária de Inspeção do Trabalho, enviou um memorando interno ao ministro Luppi. E o memorando acabou chegando à imprensa. O documento informava que estavam sendo suspensas todas as formas de fiscalização de trabalho escravo enquanto não houvesse segurança institucional para a continuidade das ações de fiscalização. Mas qual é a regularidade do grupo móvel? O que está sendo suspenso? Todo momento tem um grupo de fiscalização em campo, há anos é assim. Pelo que a gente tem acompanhado, eles ficam direto no campo sempre com um grupo fiscalizando. Direto ou quase direto tem gente lá. Porque não tem periodicidade. Eles vão de acordo com as denúncias que são levadas pela sociedade civil ou por órgãos públicos. Você acredita que esse trabalho vai ficar suspenso muito tempo? A Ruth Vilela tomou essa atitude como precaução. Primeiro, pela precaução institucional, pelo que a gente analisa. Essa questão institucional se deve ao fato de não saber se vai se poder fazer uma fiscalização ou se vai ter a interferência de outro poder ou de qualquer outra instituição fora do previsto. Segundo, é que há um perigo físico. Teve o assassinato em Unaí dos quatro auditores fiscais em 28 de janeiro de 2004. E, no ano passado, um grupo móvel foi recebido à bala por fazendeiros que possuíam, entres os seus apoios, policiais militares em Mato Grosso. Depois que isso aconteceu, eu acredito que esteja havendo agora uma comoção muito forte, uma pressão muito forte no Senado. Nos últimos dois dias soltaram notas de repúdio, de preocupação com a situação, sobre essa situação no Senado e solicitando que o grupo móvel voltasse. A volta também foi pedida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e por instituições sociais como o Instituto Ethos. Como você avalia a posição do governo diante dessa pressão toda? Essa pressão, no Senado, reverberou de forma muito clara, quando os próprios senadores foram reclamar de uma nota pública do senador José Nery contrária à forma como foi feita a visita da comissão externa. A senadora Kátia Abreu e os outros senadores repudiaram a forma como isso foi feito. Criticaram a própria Ruth Vilela, mas acredito que aí eles se sentiram acuados e também acabaram pedindo a volta da fiscalização. Aí sobrou para mim. A senadora Kátia Abreu me acusou de tê-la criticado levianamente. Falou que o nosso site mamava nas tetas do governo, o que é uma calúnia, e que ia me processar. Sobrou pra todo mundo na verdade. Não é uma contradição o governo ser a favor dos grupos móveis e não mobilizar a base no Congresso para aprovar a PEC do trabalho Escravo? Você colocou agora a principal dúvida de todas as entidades de combate ao trabalho escravo. Por que o Planalto não se mobiliza para aprovar a PEC do Trabalho Escravo? O que acontece é que a gente já ouviu do presidente da República que isso ele não poderia fazer sozinho, que teria de pressionar o Congresso. Agora, sabemos muito bem a força do governo federal em relação à aprovação de matérias. Quando ele quer, como no caso da CPMF, que é uma aprovação complicada, age junto aos deputados na Câmara. E agora vai agir junto aos senadores em uma tarefa ainda mais difícil. Esse distanciamento da questão é só do governo no Brasil? No Brasil há uma sensação de inviolabilidade da propriedade privada. A propriedade privada é um bem que está acima do bem e do mal. Ela é quase uma religião. A PEC mexe justamente com isso. O nosso código penal é muito patrimonialista. Muitas vezes, ele dá mais importância à propriedade do que à vida. Na prática, se você aprovar a PEC, vai mexer com ruralistas, fazendeiros, que não apóiam diretamente, mas acabam apoiando o trabalho escravo. Por que eles são contrários à PEC? Porque ela abre um precedente para confiscar a propriedade que não cumpre a função social. Para tirar a terra de quem pratica trabalho escravo e sem indenização. Então o governo tem pela frente uma tarefa árdua de bater de frente com esses ruralistas, contra esses protetores de commodities, que muitas vezes fazem com que a balança comercial garanta o pagamento de juros da dívida interna. E eles continuem revertendo dinheiro para dentro do país. Há um poder forte da bancada ruralista e um temor do governo. Nem toda a bancada ruralista usa de trabalho escravo, é uma minoria. O problema é que os parlamentares acabam defendendo essa minoria mesmo sem querer, mas defendem. Qual é a relação que você vê entre o trabalho escravo e a política de reforma agrária no primeiro mandato do governo Lula e até agora? Em novembro do ano passado houve uma conferência em Açailândia que reuniu centenas de pessoas, de entidades sociais de todo o Brasil para discutir o trabalho escravo e o trabalho decente. Outro ponto fundamental foi a necessidade de uma reforma agrária real, com a criação de condições reais para a família produtora poder plantar e vender sua produção, como condição sine qua non, para poder erradicar o trabalho escravo. Mas qual é a relação do trabalho escravo com a reforma agrária? O trabalho escravo surge de três fatores. Primeiro, da impunidade. Segundo, da ganância, da busca por lucro. Terceiro, da miséria. Essa mesma miséria que obriga o trabalhador rural, por não ter terra, não ter emprego, a aceitar qualquer emprego. Então, se você gera reforma agrária real, você acaba evitando o trabalho escravo. E parece que a reforma agrária saiu da pauta do governo há bastante tempo. A nosso ver saiu. E é por isso que movimentos como MST têm feito uma série de ocupações e protestos em órgãos públicos em todo o Brasil. Exatamente por causa disso. O MST está agora reclamando o assentamento imediato de 150 mil famílias. ATUALIZADA EM:03/10/2007 Congresso em Foco |