Brasil: baixa remuneração e longas jornadas
Com relação à rotatividade do trabalho, segundo Pochmann, as taxas brasileiras estão entre as mais altas do planeta. Essa característica das vagas terceirizadas tem efeitos indiretos além do desemprego imediato e da menor remuneração. Acarreta também maior dificuldade para se aposentar. A pesquisa aponta que um funcionário terceirizado trabalha de dois a três anos para contribuir 12 meses à Previdência. "Um menino de 15 anos que começasse a trabalhar hoje, contratado de forma terceirizada, iria se aposentar por volta dos 85 anos", ironiza o economista, que lembra que a expectativa de vida no Brasil dos homens no Brasil é de 72 anos e da mulheres, de 75.
Segundo o estudo, somente em 2006, o Brasil respondeu por 1,9% da terceirização mundial (7,1 milhões de ocupados), sendo que 13,8% desse total respondem às corporações transnacionais (982 mil trabalhadores).
Regularizar a terceirização
O economista Pochmann, no entanto, não demoniza de forma absoluta o trabalho terceirizado. "A terceirização não significa necessariamente a precarização", avalia. Para ele, um trabalho deste tipo pode "vir a ser" precário. "Creio que devemos nos questionar se a terceirização ocorre, de fato, porque os empresários não querem pagar mais ou porque existem causas externas que dificultam a ação dos mesmos", explica.
De acordo com Pochmann, não há uma política nacional para o setor. Ele aponta que a regulação pública e uma nova forma de agir do sindicalismo precisam atentar para a atuação das economias no espaço supranacional. Aponta também que a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) foi estabelecida com a perspectiva de uma mudança de realidade e que o resultado só pode ser observado duas ou três décadas depois. "Deve haver capacitação profissional e empresarial para o setor que o Brasil quer disputar. Criar uma regulação que dê segurança jurídica para avançar nos negócios", defende o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento.
Um panorama do trabalho terceirizado
Estudo do economista Márcio Pochamann analisa estratégia das transnacionais para reduzir custos e aumentar os lucros; países periféricos vivem a contradição da geração de empregos terceirizados, mas com baixos salários em relação aos países de origem das empresas
A Nike domina atualmente 33% de toda a produção mundial de calçados desportistas. No ano de 2004, a produção mundial da Nike foi realizada por mais de 600 mil trabalhadores dispersos em 51 países, embora somente 24 mil empregos sejam diretamente contratados, em sua maioria radicada nos Estados Unidos, para funções como marketing, design, pesquisa, direção, e etc. A Nike terceiriza quase 95% dos trabalhadores envolvidos com a produção, utilizando-se do excedente global de mão-de-obra em condições de trabalho inferiores às verificadas no país da localização da matriz.
Essas informações constam do estudo "A transnacionalização da terceirização na contratação do trabalho". Trata-se de uma pesquisa preliminar sobre as transformações do trabalho no Brasil e no mundo, divulgada nesta terça-feira (12), por Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento. O economista da Unicamp destacou que a terceirização não gera emprego, apenas substitui o emprego direto. "O que gera emprego é a demanda na produção", explicou. Essa substituição do trabalho direto está tomando traços mais fortes nos últimos anos.
A pesquisa coordenada pelo economista analisou o perfil de 2,4 bilhões de postos de trabalho em 145 países (83% do emprego mundial), contabilizados no ano de 2006. Cerca de 15,5% equivalem a empregos terceirizados, sendo 42 milhões de pessoas estão empregados na lógica das terceirizações conduzidas pelas transnacionais. O estudo aponta que são gerados 45 milhões de ocupações por ano, sendo que 36% das vagas são terceirizadas e 15% provêm da terceirização transnacionacional.
Do segmento de 76 mil empresas transnacionais que terceirizam o trabalho, apenas 29 corporações respondem por dois terços do total do faturamento mundial em 2006. As três maiores da terceirização são a Adecco (Suíça), as estadunidenses Manpower e a Kelly Services. Presente em 70 países, a Adeco gera 98% de seu faturamento fora de seu país de origem.
Aumentando a taxa de lucro
A terceirização segue a tendência de ampliar os lucros das transnacionais a partir da maior exploração do trabalho global. "Um trabalhador terceirizado no Índia, do setor de call-center, recebe 14% do que recebe um empregado no mesmo setor na Inglaterra", argumenta Pochmann. Para o economista, no entanto, o salário do indiano não é necessariamente ruim, pois é preciso relacioná-lo no contexto asiático. O estudo aponta que, hoje, dois terços dos trabalhadores asiáticos são terceirizados.
Mas a questão salarial não é a única desvantagem do trabalhador terceirizado em relação aos funcionários nos países de origem das transnacionais. Esse tipo de trabalho nos países periféricos do capitalismo tem se notabilizado pelos desrespeitos às normas internacionais dos direitos trabalhistas e mesmo às legislações nacionais. Com as chamadas maquiladoras, as empresas reduzem ao extremo o custo de produção e as regiões onde se instalam essas empresas terceirizadas ficam com uma pequena parcela da taxa lucro globalizada das transnacionais.
Não por acaso, a migração para as nações mais ricas cresce em todo o planeta. De acordo com o estudo de Márcio Pochmann, no ano de 2005, a Organização das Nações Unidas (ONU) estimou o fluxo migratório em 191 milhões de pessoas (7,6% da força de trabalho mundial), enquanto em 1990 eram 80 milhões de migrantes (4,2% da força de trabalho do planeta). De modo geral, trata-se de pessoas bem qualificadas que saem de seus países de origem para disputar postos de trabalho nas nações ricas, "gerando uma grande contradição entre os esforços pelo avanço na educação e qualificação profissional e o deslocamento da mão-de-obra qualificada para outros países".
Fonte: Agência Brasil de Fato