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Independência da Bahia: A democracia no sobe e desce das ladeiras

Maior festa cívica não apenas da Bahia, mas também do Brasil, da qual a participação popular se amplia a cada ano, reunindo as mais diversas camadas da sociedade, o desfile do 2 de Julho, ontem, revelou mais uma vez as múltiplas faces de uma Salvador cheia de contradições e plenamente democrática.
Assim como acontece há muitos anos, o trajeto entre a Lapinha e o Pelourinho se transformou no espaço da democracia para todas as idéias, ideologias, falas, protestos, partidos e entidades variadas, enfim a oportunidade de manifestação de toda e qualquer mensagem, para um público bem plural de quase meio milhão de pessoas.
Por mais de cinco horas seguidas, das 9h até depois das 14h, a democracia circulou tranqüilamente, no sobe e desce das ladeiras do Centro Histórico, como se quisesse mostrar que a morte dos que tombaram na luta pela Independência da Bahia não pode ter sido em vão.
Enquanto as fanfarras, os grupos comunitários, as categorias de trabalhadores, as figuras folclóricas e fantasias de protestos recebiam aplausos por onde passavam, inclusive os partidos políticos, os governantes, atuais e antigos, foram vaiados por todo o cortejo. Do governador Jaques Wagner ao prefeito João Henrique, passando por Paulo Souto e Antônio Imbassahy, ninguém foi poupado. 
Entre os partidos, destaque para o PCdoB, disparadamente o mais animado, e o PMDB, que com charranga tocando por todo o desfile e o pipocar ininterrupto de foguetes, mostrou o momento de força e de poder que vive atualmente. Dos trabalhadores, a grande atração foram os professores, que desfilaram de preto, em luto pelo impasse com o governo do Estado, que já dura cerca de dois meses.
Como é tradição, os grupos se dispersavam quando chegavam no Terreiro de Jesus. À tarde, o desfile foi retomado, mas só com a participação de militares e grupos sociais organizados, inclusive escolas, rumo ao Campo Grande, onde a festa cívica prosseguiu durante a noite, com a apresentação de diversas filarmônicas.


Da Lapinha ao Pelô

Ao longo do trajeto, da Lapinha ao Pelourinho, a participação popular chamava atenção. Das sacadas e janelas, as pessoas aplaudiam e acenavam na passagem das fanfarras, dos blocos, dos partidos políticos e das autoridade. Crianças, jovens, idosos e adultos participaram da festa em homenagem às tropas do Exército e da Marinha Brasileira que atuaram nas lutas pela Independência do Brasil.
Nem a chuva fina que caia sobre a cidade atrapalhou a alegria do povo, que aplaudiu a Cabocla e o Caboclo, mas vaiou algumas autoridades, como o prefeito de Salvador, João Henrique.
AUTORIDADES
Como acontece todos os anos, a festa de comemoração da Independência da Bahia foi marcada pela presença de políticos. A primeira ala do desfile, após o carro com a imagem da Cabocla, foi composta pelo governador do Estado, Jaques Wagner. Os representantes dos bancários na Assembléia Legislativa, Álvaro Gomes, e na Câmara de Salvador, Everaldo Augusto, fizeram o trajeto integralmente.
Na seqüência, porém bem mais atrás, o prefeito João Henrique acenava e sorria para o povo. O prefeito desfilou ao lado de bandeiras e bolas com a sigla do seu novo partido, PMDB, agremiação à qual se filiou em meados de junho. Depois dele, desfilaram o ex-governador do estado, Paulo Souto, ao lado de deputados do Democratas (DEM).


Da senzala às ruas

Tradicionalmente, o 2 de Julho é espaço de muitas manifestações populares, que, com vínculo direto ou não com as festividades pela Independência da Bahia, levam às ruas todo tipo de irreverência. As fantasias, os mascotes de bairros e as bandas de fanfarra são ingredientes a mais ao Carnaval fora de época.
Pelas ruas estreitas da Lapinha, por exemplo, é possível ver um grupo com máscaras de boi, ferozes diabos dançantes ao som de sinos e pandeiros. São chamados de Caretas do Acupe, da cidade de Santo Amaro. O ritmo é secular. Há 150 anos, quando a região ainda era um engenho, o “senhor” organizou uma festa de escravos para alegrar o povoado, como conta o responsável do grupo, Salvador Santos. “Queremos mostrar e preservar nossa cultura”.
A tradição nasceu através da inventividade de um escravo, que, contrariando às ordens oficiais, dançou fantasiado. A moda pegou e a máscara passou a ser a identidade do grupo, transmitida a cada geração.
Atualmente, os Caretas têm desfilado na Caminha Axé e em outros eventos estaduais. No 2 de Julho são praticamente aprendizes, com apenas cinco anos pelas ruas da capital.
Quem veste a indumentária, uma grande saia feita de palha de bananeira coberta por longo vestido colorido, se anima. “Aqui, podemos mostrar a cultura do Recôncavo baiano, a nossa história”, revela Niedison Costa, integrante do grupo há seis anos. Quem acompanha o trajeto da festa vê uma participação inusitada, como tantas outras que fortalecem a diversidade cultural.

Gatos pingados
Realmente, como dizem os mais velhos, a vida dá muitas voltas. A Bahia é um bom exemplo de como a situação pode mudar radicalmente, de uma hora para outra. Até o ano passado força majoritária e preponderante na política do Estado, este ano os carlistas simplesmente desapareceram do desfile do 2 de Julho. Ontem, só havia uns gatos pingados. Praticamente sumiram. Com a área livre, as forças políticas que compõem a maioria governista na Prefeitura de Salvador e no governo do Estado deitaram o rolaram na maior festa cívica da Bahia.
Medo das vaias
Comandante encarregado de impor o polêmico e tão criticado projeto de transposição do rio São Francisco, o todo poderoso ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, não deu as caras no 2 de Julho, apesar da pompa no desfile do PMDB. Se deu bem, pois com certeza seria um dos mais vaiados durante todo o percurso.
Ritmo acelerado
Ciente de que as vaias recebidas logo no início do cortejo iriam se estender durante todo o percurso, o que aliás aconteceu, o governador Jaques Wagner imprimiu um ritmo acelerado no desfile, deixando para trás, ofegantes, assessores e secretários, inclusive o ministro da Defesa, Waldir Pires. Não parou em trecho nenhum e em certos momentos chegou até a passar despercebido.
Heloísa viciada
A presidente nacional do PSOL, ex-senadora Heloísa Helena, ficou viciada no desfile do 2 de Julho. Ela compareceu pela primeira vez em 2005, no auge da crise do mensalão, gostou da festa e voltou ano passado, em plena campanha eleitoral para presidente da República, e ontem mais uma vez marcou presença. Só que desta vez já não entusiasmou mais como nas edições anteriores. Foi muito pouco notada e esteve bem distante dos holofotes da mídia.
Buarque na carona
O ex-ministro e ex-governador de Brasília, Cristóvam Buarque, que desfilou no 2 de Julho puxando o diminuto grupo do PDT, aproveitou a identidade que tem com a educação para pegar carona na greve dos professores da rede estadual de ensino. Não poupou críticas ao governador Jaques Wagner e ao PT, pelo que chamou de insensibilidade.


INDEPENDÊNCIA DA BAHIA
Apitaço dos professores

As comemorações do 2 de Julho em Salvador foram marcadas por protestos de diversas categorias. A mais marcante manifestação, porém, foi a dos professores da rede estadual de ensino, parados desde do dia 8 de maio. Debaixo de uma chuva fina, vestidos de preto, simbolizando o luto, empunhando faixas, bandeiras, cartazes e cartas, os professores marcharam da Lapinha ao Pelourinho apitando para reivindicar o aumento de 17,28% para a categoria.
Caracterizada com um nariz de palhaço, Alice Monteiro, professora há 26 anos do Colégio Estadual Rotary,  entende ser a greve é um “recurso justo, único que temos, pois a situação está caótica”. Para Marisa Paranhos, do Colégio Estadual Heraldo Tinoco e participante do comando de greve zonal periférico, as reivindicações precisam ser garantidas pelo governo para a categoria voltar ao trabalho. “Não vamos recuar”, gritava a professora, aplaudida pelos colegas e o público.
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Bahia (APLB), Rui Oliveira, “não há motivos para desespero, pois a perspectiva é boa e a maioria, em assembléia, decidirá os rumos do movimento”. Ele se referia à assembléia que acontece hoje, às 9h, no Ginásio de Esportes do Sindicato dos Bancários, nos Aflitos.

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