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A indexação no Brasil

Adriano Almeida
Os economistas ligados ao mercado financeiro (corretoras, bancos, etc) têm defendido que os sindicatos pautem suas reivindicações pela meta de inflação, e não pela recomposição da inflação passada. O argumento é que as recomposições dos salários  têm lançado gasolina na "inflação dos serviços". Ora, trata-se de um argumento conservador e ideológico, pois a relação de causalidade entre salários e inflação não é direta! Primeiro: serviços como consultas médicas, cortes de cabelo, lazer, manutenção de veículos, etc não são passíveis de importações, portanto há pouca pressão da concorrência internacional sobre seus preços. Segundo: é bom lembrar que os preços administrados (luz, água, transporte coletivo, etc), profundamente indexados à inflação passada e com grande componente monopólico, entram como custo em vários tipos de serviços. Terceiro: preço de serviços como refeição fora de casa tem sofrido muita influência da "inflação das commodities", embora sofra também alguma pressão da demanda. Conclusão: há diversas relações de causalidade em torno da "inflação dos serviços", portanto não há como acusar a indexação dos salários à inflação passada como responsável pelo repique da "inflação dos serviços" nos últimos meses.

Se os economistas seguidores da ideologia das finanças estão preocupados com o fenômeno da indexação na econômia brasileira, por que não iniciar o debate com o fenômeno persistente da indústria da indexação financeira no Brasil? A brilhante economista Maria da Conceição Tavares, em seu lúcido e malancólico artigo"Tristes Memórias do Pacto Inflacionário" recorda que a ciranda financeira no Brasil, embora tenha dado seu pontapé inicial no projeto fiscal de Bulhões 1964/1968, ganhara força na gestão do ministro Mário Henrique Simonsen, com a prática institucional da rolagem diária do passivo público no over. Hoje em dia não há mais o desejo diário de converter a moeda roída pela inflação na moeda indexada, porém a famigerada ciranda financeira parece ser mais sólida do que pedra no Brasil. E inclusive fez com que a nossa lúcida economista se questionasse "como funcionaria o capitalismo brasileiro sem sua dose diária de cocaína"- leia-se a ciranda financeira.

Os mecanismos de proteção contra as oscilações de juros e câmbio e de perda de rentabilidade no carregamento dos títulos continuam vivos. Há ainda por parte do BC um temor histórico de que haja o descontrole da taxa curta de juros e a monetização da dívida pública. Em 2008, por exemplo, a Secretaria do Tesouro Nacional teve que cancelar o leilão das NTN-F, papéis pré-fixados de prazo longo, pois as tesourarias dos bancos e os gestores de fundos pediram o refúgio seguro das LFT, papéis indexados à Selic, por causa do stress da crise global. E não podemos descartar o uso da mesma estratégia no atual momento de stress financeiro global proveniente do risco de calote da dívida soberana de países da zona do euro. Será que ainda é preciso manter os mecanismos de proteção da dívida pública contra as incertezas cambiais num contexto de uma reserva em dólar de mais de US$ 300 bilhões? 

A tese de que as reservas de moeda forte são capazes de estancar uma crise cambial é discutível, pois os dados do BC indicam que uma boa parcela das mesmas foram financiadas com capital e empréstimos externos de curto prazo. Entre janeiro de 2003 e fevereiro de 2001, as reservas aumentaram em US$ 268 bilhões, sendo que 40% deste aumento foi financiado com investimento de portfólio e empréstimos externos de curto e longo prazo. No contexto de integração financeira e de um sistema internacional hierárquico de moedas, as reservas de moeda forte não são suficientes para neutralizar as fragilidades de o real (R$) ser uma moeda inconversível. Daí o fato da ciranda financeira continuar tão viva no Brasil! Isto é, há ainda a necessidade de manter a dívida pública como ativo seguro e confiável com plena condição de garantir a valorização da riqueza capitalista dos portadores de moedas conversíveis.

 O superávit primário e a austeridade fiscal adquiriram um peso decisivo na sustentabilidade da ciranda financeira, sem os quais não existe a possibilidade de usar a política monetária na estabilização do câmbio e da inflação. Há ainda um compromisso explícito de usar a dívida pública como refúgio seguro das aplicações financeiras de modo a apaziguar as volatilidades de juros e câmbio. Em outras palavras, a dívida pública não é ainda emitida no Brasil por razões orçamentárias, mas por razões estritamente financeiras. Deste modo, se quer-se fazer uma reflexão sobre o fenômeno da indexação no Brasil, é mais correto iniciar o debate sobre como o Brasil se insere no sistema internacional hierárquico da produção e de moedas como fazem os grandes economistas críticos brasileiros.

Adriano Almeida é economista e mestre em Sociologia

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