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Há algo de podre no lucro dos bancos


Por Carlos Rogério de Carvalho Nunes
A recente divulgação dos balanços dos gigantes ABN Amro e do HSBC mostra lucros exorbitantes. O ABN teve lucro líquido mundial de US$ 2,165 bilhões no primeiro semestre deste ano, resultado 2,4% menor do que no mesmo período de 2006. Já o HSBC, maior banco europeu em valor de mercado, teve um crescimento de 24,85% no lucro líquido no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2006. O Brasil é uma das principais fontes destes bancos.

 

 

 

A unidade brasileira do ABN, considerada a de maior retorno no mundo, anunciou ganho líquido de R$ 1,161 bilhão no período - 84% mais do que em 2006. No balanço mundial, o ABN cita o Brasil como líder de crescimento, ao lado da Ásia e da Itália. O HSBC anunciou ganho de US$ 10,9 bilhões, sendo que desse total US$ 360 milhões (antes de impostos) vieram do Brasil, volume 43% superior ao do mesmo período de 2006. Em comum, ABN e HSBC citam a expansão do crédito brasileiro, que cresce a um ritmo de 20% ao ano, como um dos negócios mais lucrativos do planeta, especialmente os empréstimos consignados, além do câmbio apreciado. Também atribuem o bom resultado no Brasil à receita com tarifas bancárias.

 

Os lucros desses dois gigantes são apenas amostras dos ganhos fáceis que o setor financeiro vem obtendo no Brasil. Essas montanhas de dinheiro confirmam o setor no topo da lista dos ramos mais lucrativos da economia brasileira. Em 2000 era o terceiro colocado, com lucro de R$ 4,8 bilhões. Seu resultado ficava atrás dos R$ 5,9 bilhões registrados pelo setor de telecomunicações, e dos R$ 14 bilhões contabilizados pelo setor de petróleo e gás. Em 2001, o lucro cresceu para R$ 7,6 bilhões, mas ainda ficava atrás das empresas petrolíferas, que lucraram R$ 13 bilhões. Em 2002, atingiu o topo para não mais sair de lá.

 

Os números fazem as pessoas pensar que basta colocar uma placa com os dizeres "aqui é um banco" para chover dinheiro. É mais ou menos assim. Mas, para entender bem como funciona esse setor da economia no Brasil, é preciso considerar algumas particularidades da estrutura bancária arquitetada pela "era neoliberal". Esse ramo de negócios tem altos segredos - por isso, não é possível entender tudo o que se passa em suas entranhas. Henry Ford, aquele industrial norte-americano que revolucionou a linha de produção no começo do século 20, certa vez disse que se o povo entendesse como funciona o setor financeiro haveria uma revolução antes de amanhã cedinho.

 

Há algo de podre nessa história

 

No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), o senador José Sarney (PMDB-AC) chegou a propor uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o sistema financeiro. Mas sua iniciativa esbarrou na firme decisão do Palácio do Planalto de impedir que ela fosse instalada. No entanto, é um assunto que continua na ordem do dia. Seria interessante, por exemplo, saber o que a Justiça poderia fazer com os envolvidos nos casos que se arrastam desde o começo dos anos 80, como os do Comind, do Auxiliar, do Maisonnave e do Sulbrasileiro - que até agora nada sofreram. Seria, igualmente, importante esclarecer a origem e o destino dos mais de US$ 20 bilhões que o governo FHC liberou ao Proer, salvando bancos mal administrados e com operações obscuras em carteira.

 

Ninguém, fora os suspeitos de sempre, discute que o dinheiro destinado ao Proer foi uma mamata para os banqueiros. Mesmo com essa dinheirama, no entanto, muitos bancos deixaram o mundo dos vivos - uma das coisas mais mal explicadas que o Brasil já viu. O Proer, na verdade, prestou um serviço inestimável à consolidação da "era FHC" ao contribuir para que os bancos gerenciassem sem riscos a ciranda financeira da "estabilização" - o que o deixou coberto de ignomínia do berço à cova. E, de quebra, consolidou uma prática comum no Brasil: a conjunção de bancos quebrados e banqueiros riquíssimos. O episódio dos balanços fraudulentos do Banco Nacional, por exemplo, é horroroso.

 

Os responsáveis pelo Nacional - entre eles uma nora de FHC - divulgaram seguidos atestados falsificados de saúde de um banco que na verdade estava mortinho há dez anos. Faz muito tempo que no Brasil qualquer pessoa medianamente sã sabe que entre as muitas maneiras de aferir o estado de um banco não consta, decididamente, o exame do balanço. Os números grandiosos solenemente empilhados acima da assinatura de circunspectos banqueiros e com a rubrica de bem pagos auditores têm mentido compulsivamente. Até o Banco Central (BC) sabe disso. O que realmente espanta é que, com tantas possibilidades legais de montar balanços maravilhosamente mentirosos, esses bancos tivesse de recorrer ao gangsterismo contábil tão fartamente noticiado. Há algo de podre nessa história.

 

Intervenção no Banco Santos

 

No total, envolvendo os casos do Nacional, do Banorte e outros foram mais de US$ 13 bilhões. Há ainda o caso do empresário paulista Ricardo Mansur, condenado em 2003 a três anos de prisão em regime aberto, que levou cerca de R$ 110 milhões, à época, para comprar o banco Antonio de Queiroz. No caso dos controladores do banco Econômico, o Proer cobriu mais de US$ 6 bilhões. Ainda na série de crimes bancários, há a operação salva-vidas dos bancos Marka e FonteCindam. O BC, então sob a presidência do economista Francisco Lopes, decidiu oferecer socorro aos bancos que deram um calote escandaloso no mercado financeiro.

 

Mais recentemente, houve a intervenção no Banco Santos. É a primeira feita pelo BC desde 1998, quando o Martinelli e o Pontual passaram a ser controlados pela autoridade monetária. O Martinelli fechou as portas em 2002. O caso do Pontual, porém, ainda não foi resolvido. É essa a situação de outras 80 instituições financeiras que estão sob a tutela do BC. Os maiores casos são os do Bamerindus, do Econômico e do Nacional, que estão há mais de sete anos em liquidação extrajudicial. Juntos, os três devem mais de R$ 30 bilhões a clientes, credores e ao Estado. A soma é alta, mas não há qualquer previsão para o término dessas liquidações.

 

Extensa ficha criminal

 

Além da extensa ficha criminal do setor, chama a atenção que o lucro recorde dos bancos destoa da realidade da economia nacional. Isso tem explicações. Soma-se ao Proer práticas abusivas como a cartelização dos serviços. Recentemente o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) disse que há desconfiança de que os bancos brasileiros agem como um cartel na hora de estabelecer o preço de tarifas. Outra explicação: os bancos foram tremendamente favorecidos pelas privatizações e pelo processo de fusões e aquisições.

 

Mais uma importante explicação: mesmo com a moeda nacional sofrendo uma forte desvalorização na época da hiperinflação - e em boa parte por conta disso -, os agentes financeiros encontraram no chamado "floating" (mercado financeiro) uma forma de alcançar grandes lucros. Com a "estabilidade", o mecanismo foi aperfeiçoado. A Selic, taxa que remunera cerca de 50% dos títulos públicos, funciona como um juroduto para os bancos. Além disso, o juro médio bancário brasileiro é o maior do mundo, segundo levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo a partir de dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).

 

Em entrevista à Agência Brasil, o secretário de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda, Elcio Takeshi, disse que os bancos obtêm grandes lucros por conta da conjuntura econômica favorável ao sistema financeiro. "Não estão fazendo nada de ilegal, apenas aproveitando uma propriedade que o mercado brasileiro apresenta para eles", disse ele. Miguel de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), resume a questão: "A melhor coisa do mundo é um banco bem administrado, a segunda melhor do mundo é um banco mais ou menos administrado, e a terceira melhor coisa do mundo é um banco mal administrado. Alguns até quebraram, mas foi por desvio de dinheiro, porque banco não dá prejuízo."

 

Liberdade para os bancos

 

Uma das propriedades do mercado brasileiro moldado pela "era neoliberal" é oferecer liberdade para que os bancos decidam quanto irão cobrar sobre cada tarifa - e, inclusive, decidir quais serão as tarifas existentes. Segundo Roberto Piscitelli, professor de Ciências Contábeis da Universidade de Brasília, "no caso de algumas grandes instituições a receita com tarifas bancárias é superior à própria folha de pagamento dos salários". Uma pesquisa da ABM Consulting, realizada com seis grandes bancos brasileiros, reforça a informação do professor.

 

O estudo revela que as receitas com serviços bancários, incluindo tarifas, cresceram de R$ 4,8 bilhões em 1995 para R$ 19,2 bilhões, até setembro de 2004, e já correspondem a 113,4% do valor gasto com a folha de pagamento dos bancos. A Anefac ainda informa que as tarifas geram 13% dos lucros totais do sistema bancário, e receitas diversas compõem 8% desse total. De acordo com o vice-presidente da instituição, entretanto, o que mais rende dinheiro para os bancos é a concessão de créditos. Os juros bancários aplicados sobre os créditos foram responsáveis, até o primeiro semestre de 2004, por 43% da receita dos bancos.

 

O principal componente desses lucros obtidos com a concessão de créditos encontra-se no alto spread cobrado no Brasil. O spread é a diferença entre os juros que os bancos pagam na hora de captar dinheiro (pegando emprestado de outros bancos ou de poupadores) e os juros que cobram sobre os empréstimos que fazem aos tomadores (pessoas físicas e jurídicas). Enquanto as primeiras taxas são baixas, as segundas são altas, como é o caso do cheque especial. Parte da diferença entre as duas fica com os bancos. É uma situação injustificável num país cujo governo é apoiado por forças políticas de viés democrático e popular.

Por Carlos Rogério de Carvalho Nunes, secretário de Políticas Sociais da CUT

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