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O Capital e a Maré – Quando o mar molhar a grana será tarde demais

 *Elder Fontes

“Preciso do mar porque ele me ensina”. Pablo Neruda.
 
Setenta e um por cento da superfície do nosso planeta é coberta por água salgada. Na verdade, o continente é a parte mais frágil da Terra. O mar é fundamental e determinante na formação do nosso clima. O seu potencial gerador de vida é tão imenso quanto a sua capacidade de destruir. Uma onda no mar é objeto e movimento ao mesmo tempo e cada uma tem a sua própria força, tamanho e velocidade. Para se ter ideia, uma montanha de água de trinta metros quebrando, concentra um peso de cem toneladas por metro quadrado, suficiente para partir um navio ao meio. Uma simples “marola” de apenas meio metro consegue derrubar um muro erguido para suportar ventos de duzentos quilômetros por hora (Casey, 2010).  
 
A cada ano essa força extraordinária está aumentando de tamanho e os principais jornais do mundo já noticiam isso, de acordo com o livro A Onda, de Suzan Casey: “Ondas devoradoras de navios, antes lendárias, agora são imagens comuns em satélites” (USA Today de 23 de julho de 2004). “... um estudo novo baseado em dados de satélites revela que as ondas monstruosas são razoavelmente comuns.” “Gigantes do mar: Ondas enormes, aberrantes, mas reais, provocam novos estudos” (New York Times em julho de 2006). Os cientistas estão constatando agora que essas gigantes do mar são bem mais comuns e destrutivas do que se imaginava. O tsunami que atingiu o Japão em março de 2011 invadiu o continente cerca de dez quilômetros, matou em torno de 15 mil pessoas, deixou milhares de desaparecidos e destruiu mais 800 mil casas e prédios. Neste caso, a onda foi provocada por um terremoto de 8.9 na Escala Rischter que produziu uma energia equivalente a 58.500 bombas atômicas semelhantes as que atingiram Hiroshima, em 1945.
 
Em novembro de 2011, na Praia de Nazareth, em Portugal, foi surfada uma onda com aproximadamente 30 metros de altura. Isso nunca tinha acontecido antes. O surfista americano, Garret McNamara, precisou utilizar um jet ski para realizar a façanha, já que o ser humano hoje só tem capacidade física de surfar uma parede de água de até doze metros de altura sem auxílio equipamentos. Esta modalidade de surf com jet ski, chamada de tow-in, está se tornando cada vez mais praticada no mundo e permite ao surfista pegar ondas gigantes. 
 
De acordo com cientistas do Projeto MaxWave - consórcio de cientistas europeus que investigam o desaparecimento de navios -, duas grandes embarcações afundam em média a cada semana, no mundo inteiro. Na grande maioria dos casos, o motivo é o mau tempo. 
 
Sabemos que com o aquecimento global, há o aumento do nível do mar provocado pelo derretimento das geleiras. O gelo reflete o calor do sol e a água absorve, portanto, se há menos gelo, há mais calor absorvido, por isso os polos da Terra são mais sensíveis ao aquecimento global. Enquanto a temperatura média mundial aumentou 0,8 graus em um século, em alguns pontos da Antártica, já subiu dez vezes mais. Atualmente, a cada ano, o volume de água do derretimento das suas geleiras equivale a mais de seis lagos de Itaipú. No outro extremo, em parte do Polo Norte, já houve uma elevação de 7 graus centígrados em cem anos.
 
O degelo já abriu um canal no Ártico que liga o Atlântico ao Pacífico por onde é possível passar um navio. Antes a previsão era que isso só aconteceria entre 2040 e 2100. Em 2007, a calota diminuiu 22% em relação ao recorde de degelo que foi em 2005. Cientistas britânicos dizem que o Polo Norte vai virar mar aberto e navegável em poucos anos. Com isso, boa parte da população do planeta sofrerá com as inundações, já que mais de 60% das pessoas vive num raio de cinquenta quilômetros da costa. 
 
Outro fato extremamente preocupante é o derretimento de gelo na Groelândia. Trata-se da maior ilha do mundo. Ela é coberta pelo segundo maior manto de gelo do globo. Em 10 anos, uma de suas geleiras recuou 10 km. O derretimento do gelo terrestre aumenta ainda mais o nível dos oceanos. O volume de gelo da Groelândia jogado no mar só em 2011 foi de 200 km cúbicos, isso equivale a duzentas montanhas de gelo de um quilometro de altura, por um quilômetro de largura, mais um quilômetro de profundidade cada uma. Se todo o gelo da Groenlândia derreter o nível do mar subirá 7 metros. Algumas Ilhas do Pacífico já estão desaparecendo.
 
Segundo o professor Luiz Gylvan Meira Filho, ''Em um século, a temperatura do mar deverá subir entre 3,5 e 4 graus centígrados, o que implicará em um aumento de 60 a 70 centímetros no nível do mar no planeta'' (A Tribuna - Terça-Feira, 28 de Novembro de 2006). A temperatura do mar já subiu 0,06 graus centígrados nas últimas décadas. No mundo, em média, o mar já aumentou seu volume em dez centímetros durante o século passado.
 
O Instituto Geológico de São Paulo aponta que, em aproximadamente um século, 20 praias poderão desaparecer somente no litoral paulista, e por lá, de acordo com o Instituto Oceanográfico da USP, o nível do mar já subiu 30 cm no século passado. No Brasil, o coordenador do projeto que mapeou as causas da redução das praias, Dieter Muehe, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), diz que: "Tivemos no país fenômenos meteorológicos muito severos. A médio prazo, a tendência é que o problema aumente, mas é difícil separar o que é fenômeno do que é tendência" (Folha de São Paulo - 04 fev de 2007 - Caderno Cotidiano – pág. C1 e C4). 
 
Embora o aquecimento e o resfriamento da Terra, bem como alterações climáticas, obedeçam a ciclos naturais, um novo elemento vem influenciando o nosso clima: a ação do homem. Estudos apontam que alguns fenômenos que ocorrem hoje são fruto da intervenção humana nos últimos 30 ou 40 anos. Já se sabe que quanto mais CO2 é jogado na atmosfera, mais a temperatura da Terra aumenta, porque ele faz reter o calor do sol. É o CO2 e outros gases que promovem o chamado efeito estufa. Em 1958, Roger Revelle, começou a medir o nível de dióxido de carbono. Em meados dos anos 60, o nível já tinha aumentado e continuou a aumentar ainda mais com a industrialização. Os dez anos mais quentes da história aconteceram nos últimos 15 anos. Estudo realizado pelo Centro Nacional de Ciência Atmosférica da universidade inglesa aponta que até 2050 a concentração do dióxido de carbono (CO2) na atmosfera duplicará. Com isso as turbulências nas viagens aéreas ficarão de 10% a 40% mais violentas e a frequência dessas ocorrências poderá crescer entre 50% e 170%.
 
Com a temperatura do mar mais elevada, há um aumento da força dos ventos e consequentemente um aumento na frequência e na intensidade das tempestades. Mais ou menos 40 anos depois das medições de Revelle que constataram o aumento de CO2, o Japão bateu recordes de tufões em 2004. Ao todo foram 10. 
 
Outro ponto que chama a nossa atenção é que, antes, aquilo que era considerado uma impossibilidade pelos cientistas aconteceu: Em 2004, foi registrado o primeiro furacão no Atlântico Sul e atingiu o Brasil. Isso levou os cientistas do tempo a repensarem suas teorias. Levantamento feito pelo meteorologista Eugenio Hackbart, da MetSul Meteorologia, mostrou que entre os anos de 2005 e 2006, houve quatro ciclones extratropicais de intensidade extrema no Sul do país, provocando fortes ressacas e consequentemente a redução na faixa de areia em praias gaúchas. 
 
Todo sistema climático está interligado e é cíclico. Os elementos naturais que influenciam as águas salgadas também são por elas influenciados e têm impacto na água doce. No ano de 2012, o nível do Rio Negro bateu recorde. A sua medição começou em 1902. Em 2009 foi registrado o seu maior nível, mas, em 16 de maio de 2012, o recorde histórico foi quebrado e chegou a quase 30 metros. Em setembro daquele ano estive em uma das ilhas do Rio Solimões onde normalmente no período das cheias, que ocorre entre os meses de maio e julho, 3% da sua área fica submersa. Em 2012, segundo o guia local, 6% da ilha ficou embaixo d´água, ou seja, o dobro do normal.
 
Embora fortes interesses econômicos trabalhem para manipular dados e encobrir a realidade, algumas verdades estão sendo reveladas e se tornando cada vez mais evidentes por si só. Iniciativas globais e de grandes proporções precisam ser urgentes e radicais. É necessário o compromisso em massa de todas as nações se quisermos prolongar a sobrevivência da humanidade. 
 
O Protocolo de Kyoto, criado em 1997, no Japão, que sugere a redução da emissão de CO2 na atmosfera, não conta com a participação de um dos maiores emissores de gases estufa do planeta, os Estados Unidos. Na época, o então presidente George W. Bush, disse que a economia do país poderia ser prejudicada caso eles assinassem o acordo. A população americana, com seus mais de 321 milhões de habitantes, representa 5% do total de habitantes da Terra e junto com o resto do hemisfério Norte detem quatro quintos do rendimento global e consome 70% da energia do planeta, apesar de representarem um quinto da população global. 
 
A China com seus mais de 1.365 bilhões de moradores é outro grande poluidor. No entanto, é um dos países que mais investem em energia limpa, sendo também o maior produtor de placas de energia solar do planeta, além de ser signatário do protocolo de Kyoto. A China possui ainda o maior número de turbinas eólicas operando no mundo (cerca de 50% do total mundial). 
 
A saída para se evitar uma catástrofe passa pela redução drástica e imediata de gases causadores do efeito estufa e de poluidores. Há quem diga que o processo já é irreversível em certo ponto e que os governos agora precisam investir em planejamento e obras de engenharia para adaptar o cotidiano das cidades litorâneas a uma nova realidade. A possibilidade no momento seria evitar um problema maior a curto prazo. Deixar de aquecer e poluir ainda mais o planeta é o que de mais urgente se pode fazer para tentar desacelerar as alterações climáticas e o avanço das águas.  
 
O fato é que os oceanos estão dando os sinais e precisamos estar atentos a eles. É fundamental aprendermos com o mar, como pensava Neruda, antes que seja tarde demais. O que hoje está se impondo como realidade é uma resposta afirmativa ao questionamento futurista de Júlio Verne: “A Terra começou com o mar; e quem sabe não vai terminar da mesma maneira?”.  Aí não haverá varal que seque o dinheiro molhado pela ganância e pela inconsciência.
 
elder *Elder Fontes – é formado em Administração de Empresas, especialista em Psicologia Organizacional, Coordenador Regional do DIEESE/BA, diretor Socioeconômico do Sindicato dos Bancários da BA, Surfista e graduando em Psicologia.
 
Referências: 
CASEY, Susan. A onda: em busca das gigantes do oceano. Rio de Janeiro: Zahar, 2010  
http://igeologico.sp.gov.br/ 
http://sosriosdobrasil.blogspot.com.br/2010/10/derretimento-do-gelo-da-groenlandia.html 
http://odia.ig.com.br/portal/cienciaesaude/vidaemeioambiente/aquecimento-global-vai-causar-mais-turbul%C3%AAncias-nos-avi%C3%B5es-1.574477 
http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/oceanos_mais_quentes_furacoes_mais_violentos.html 
http://www.guaruja1.xpg.com.br
http://www.ecodesenvolvimento.org
http://www.senado.gov.br
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