O neoliberalismo e a morte da Terra
Não se pode esperar muito da Conferência do Rio. Há
quarenta anos que o problema do meio ambiente vem sendo discutido e,
nesse tempo, pouco se fez de objetivo a fim de assegurar as condições
que a biosfera oferece à Natureza. Ao que parece, o homem está à espera
de uma catástrofe – como foi a peste negra, no século 14 – a fim de
compreender as dimensões de seus erros. Naquele século emblemático – no
qual historiadores encontram semelhanças com o nosso – a população
européia quase desapareceu. Pulgas e ratos levaram a peste da Ásia e
encontraram o continente vulnerável à bactéria Yersinia pestis:
segundo os cálculos, mais de um terço dos europeus pereceram no curso de
quatro anos. Como vemos, seres aparentemente tão frágeis são capazes de
promover hecatombes.
O que está matando o mundo, hoje, vale
repetir, é a peste da ganância do capitalismo, que transformou a razão
científica em mera servidora do dinheiro, principalmente a partir do
neoliberalismo. Todos nós sabemos que os nutrientes químicos, como o
nitrogênio, e agrotóxicos, estão matando os rios e extensões cada vez
maiores dos oceanos. A Monsanto continua, firme, em nome da liberdade do
mercado, a envenenar os solos e os mananciais de água – isso sem falar
nas suas sementes transgênicas. O que já era ruim em 1972, quando se
reuniu, em Estocolomo, a Primeira Conferência sobre o Meio-Ambiente,
tornou-se muito pior a partir da conjuração anti-estado, promovida por
Reagan, Thatcher – e, como coringa solto na jogada, o papa Karol
Wojtila. Nestes últimos trinta e dois anos, não obstante as sucessivas
declarações de alarme, e três novas conferências realizadas, pouco se
fez de objetivo, a fim de salvar a natureza. Assim, o neoliberalismo
acelera o assassinato da Terra.
A realidade nos impõe uma
constatação: enquanto os Estados Unidos que, para o bem e para o mal,
são o modelo da civilização contemporânea, não mudarem a sua matriz
energética, e não contiverem a insensatez da bio-engenharia a serviço
dos interesses do grande capital, o mundo continuará sua marcha para a
tragédia.
Em nosso caso, a salvação da biodiversidade com que nos
privilegiou a Natureza e, em seguida, a História, vem correndo novos e
evitáveis riscos, a partir do desmantelamento do Estado, promovido pelo
governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso.
Desde Getúlio
Vargas, o Brasil dispunha de grupos técnicos de planejamento de
infraestrutura a médio e longo prazo. Durante o governo de Juscelino,
esses grupos se tornaram a vanguarda do desenvolvimento da economia
nacional. Os governos militares mantiveram alguns deles, reorganizaram
outros e esvaziaram os demais. Um desses grupos, talvez o mais
importante para o nosso desenvolvimento, era o Geipot – reorganizado em
1965, durante o governo de Castelo Branco, abandonado por Fernando
Henrique e hoje em liquidação. A União teve o prejuízo de 400 milhões de
reais na execução das obras da Ferrovia Norte-Sul, por falta de um
órgão como o Geipot. O serviço das empreiteiras não foi fiscalizado,
dia-a-dia, como deveria ter sido, e erros graves, além da não execução
das obras planejadas, como estações e depósitos, foram constatados pela
nova diretoria da Valec, a estatal que administra a implantação do
grande trecho ferroviário.
Outra imprevisão do governo se
manifesta agora, na Hidrelétrica do Jirau. Dois milhões de metros
cúbicos de madeira e lenha, retirados da área a ser coberta pelas águas,
estão destinados a apodrecer, por falta de aproveitamento econômico. A
retirada dessa cobertura vegetal deveria ter sido planejada com
antecedência e seu aproveitamento, da mesma forma.
Outras áreas
da Amazônia estão sendo desmatadas para a exportação – legal e ilegal –
da madeira, com os danos conhecidos ao meio-ambiente. É urgente que se
planifique o aproveitamento racional da madeira e dos outros bens
naturais existentes nas áreas a serem inundadas nas outras hidrelétricas
em construção no território brasileiro. Há, ainda, no fundo da futura
represa – cujo enchimento se iniciará ainda este ano – muita cobertura
vegetal que, se não retirada a tempo, irá provocar danos imensos ao
ambiente, ao produzir metano, um dos gases mais poluidores da atmosfera,
além do carbono.
A eficiência do Estado se garante mediante o
estudo prévio de suas necessidades e de suas possibilidades, ou seja, de
planejamento. Desde o Império, empreendedores e homens de Estado
pensaram em termos de planejamento. Até hoje é válido o projeto
ferroviário de Mauá, que previa a ligação ferroviária entre o Norte e o
Sul, entre o Leste e o Oeste, e o aproveitamento dos rios para o
transporte de carga pesada. Vargas, na plataforma eleitoral de 1930,
reafirmou a necessidade de planejamento e seguiu a idéia durante o
Estado Novo. Vargas retomou o projeto nacional, em 1951 e Juscelino
deu-lhe prosseguimento de forma vigorosa, em seu mandato. Com a
desconstrução do estado nacional, o governo Fernando Henrique deixou o
planejamento por conta das empreiteiras e dos estrangeiros. Vale lembrar
a contratação da Booz Allen pelo governo tucano, para “identificar os
gargalos” que dificultam o desenvolvimento do país, quando não faltam
técnicos competentes nos quadros da administração federal para cuidar do
planejamento dos projetos de infra-estrutura no Brasil, como é o caso
dos transportes e da energia.
É hora de o Estado assumir
diretamente a sua responsabilidade e buscar os meios constitucionais
para acabar com as agências reguladoras e devolver aos ministérios as
tarefas que devem ser suas. As agências reguladoras foram, nos Estados
Unidos de Roosevelt e do New Deal, o instrumento do Estado para conduzir
a economia nos anos de crise. No Brasil, elas tiveram o objetivo
contrário, o de entregar aos agentes privados, a serviço dos interesses
estrangeiros, a administração dos setores estratégicos nacionais, como a
energia elétrica, as telecomunicações, as rodovias, as ferrovias e os
portos – isso sem falar na saúde, com a Anvisa.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.