Pós-neoliberalismo: da luta social à luta política

Por Emir Sader
Os movimentos sociais desempenharam o papel estratégico central nas lutas de resistência contra os programas e os governos neoliberais. Seja porque a grande maioria dos partidos aderiu a esses programas, seja porque o neoliberalismo é uma máquina cruel de expropriação de direitos sociais, afetando diretamente aos setores congregados ou representados pelos movimentos sociais.
Foram os movimentos sociais -do EZLN ao MST, dos movimentos indígenas equatorianos aos bolivianos e aos ‘piqueteros'-, os maiores protagonistas das lutas populares durante mais de uma década. Foram os principais responsáveis pela perda de legitimidade e pela queda de tantos governos no continente -de Sánchez de Lozada a de La Rúa, de Lucío Gutiérrez a Fujimori-, assim como pela derrota eleitoral de Menem, de FHC, entre outros.
O esgotamento do modelo neoliberal levou a uma fase distinta, em que se colocava para o movimento popular a questão da disputa hegemônica -a formulação de projetos antineoliberais, a constituição de um bloco de forças alternativo e a luta pela conquista do governo. A questão foi se colocando generalizadamente no continente, conforme os governos neoliberais se esgotavam: na Venezuela, no Brasil, na Argentina, no Uruguai, na Bolívia, no Equador, no México, no Peru, no Paraguai, na Nicarágua.
Iniciou-se um período de prolongada instabilidade no continente, frente a um modelo esgotado e das dificuldades de construção e triunfo de projetos alternativos. Profundas crises em alguns casos -como na Argentina, na Bolívia, no Equador, na Venezuela-; processos eleitorais com vitórias da oposição, como no Brasil, no Uruguai, na Nicarágua.
A partir desse momento os movimentos sociais passaram a enfrentar dificuldades maiores, porque sua característica está adaptada para a resistência, mas teriam, desse momento para frente, que construir alternativas políticas. Três caminhos distintos trilharam os movimentos sociais: o da renúncia a partir da disputa político-institucional, como foram os casos dos ‘piqueteros' argentinos na eleição presidencial de 2003 e dos zapatistas em todas as eleições mexicanas desde sua aparição em 1994. Um segundo caminho foi o dos movimentos sociais no Brasil e no Uruguai, que não apresentaram alternativas próprias, nem se abstiveram, mas, com críticas, apoiaram os candidatos da esquerda: Lula e Tabaré Vázquez. O terceiro caminho foi o da Bolívia, em que os movimentos sociais construíram seu próprio partido político, o MAS (Movimiento Al Socialismo). Um caso especial foi o Equador, em que os movimentos sociais -da mesma forma que na Bolívia-, protagonizaram a derrubada de sucessivos governos, que pretendiam manter o modelo neoliberal. Delegaram politicamente a um candidato -Lucío Gutiérrez- e foram traídos ainda antes de que este assumisse a presidência. Nas eleições recentes, Rafael Correa triunfou e canalizou a força social e política acumulada para um projeto pós-neoliberal.
No caso argentino, a incapacidade de construir uma alternativa política, levou à divisão do movimento ‘piquetero' e mantém a ausência de um campo político da esquerda. No caso mexicano, as grandes mobilizações populares -Chiapas, Oaxaca, contra a fraude eleitoral-, não conseguiram projetar-se no campo político, levando quase que obrigatoriamente a um refluxo das mobilizações.
Nos casos brasileiro e uruguaio, os movimentos sociais se mantêm numa perspectiva de apoio crítico aos governos, sem ter conseguido mudanças substanciais nas políticas desses governos, nem a construção, até aqui, de força política alternativa.
Na Bolívia, no Equador e também na Venezuela -cada um de forma distinta-, se caminha para conseguir uma rearticulação entre as lutas sociais e as lutas políticas. Não por acaso é nesses países que se dá a ruptura com o modelo neoliberal, com os que souberam acumular força popular na luta de resistência ao neoliberalismo, mas puderam transformar essa energia em força política.
Cientista político, UERJ
