Menu
9º Encontro da Juventude Bahia e Sergipe

O cinema baiano de ontem e as querelas de hoje

Segundo dia de debates eclode discussão sobre o cinema baiano que vive equilibrando-se entra a memória de uma era de ouro e a produção decaída das últimas décadas.

Eduardo Carvalho


SALVADOR - O debate incendiou o Teatro Castro Alves durante o segundo dia do III Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual que acontece até o dia 11 em Salvador. O cinesta baiano Edgard Navarro e o professor da UFBA e crítico de cinema André Setaro trocaram farpas e desafetos que terminaram em impropérios dirigidos à platéia, numa cena surreal que tinha até um homem aranha na figuração!

Antes da confusão, no entanto, ainda na parte da manhã, a mesa que seria composta pelo cineasta italiano Mimmo Calopresti ficou desfalcada de sua presença (
leia mais), mas, com a mediação de Maria Tereza Ventura (UERJ), contou com o diretor Cubano Daniel Diaz Torres e com o professor Afrânio Catani (USP) que, na noite deste dia 10, autografou exemplares da Enciclopédia Latinoamericana (Boitempo), na qual figura como autor de muitos verbetes. Eles discutiram o "Cinema político contemporâneo" sob a perspectiva de pontuar em que medida o cinema pode e deve concorrer para a formação de visão crítica do sujeito social.

A cena só ferveu quando se juntaram na mesa da tarde a professora Maria do Socorro (UNEB), o produtor cultural, Cláudio Marques e os contendores André Setaro e Edgard Navarro para discutirem o "Cinema baiano: ontem e hoje", sob a mediação do professor Marcos Pierry (FTC). Uma proposta de se abrir uma panorâmica sobre a história do cinema baiano serviu mesmo foi para mostrar que ela não tem um autor definido e que os pontos de vista são muitos, principalmente sobre a produção cinematográfica baiana pós anos 60.

A professora Maria do Socorro traçou um panorama histórico de Salvador que desembocou nos anos 50, período do ciclo do cinema baiano, quando havia em Salvador, para uma população de 500 mil habitantes, 20 salas de cinema, não raro com até 2 mil lugares na platéia. Era o cinema, na época, a grande diversão de massa dos soteropolitanos. Para se ter uma idéia, hoje, os 3 milhões de moradores da capital baiana contam com algo em torno de 50 salas pequenas e médias, contdas as 8 que a Artplex deve inaugurar em breve. A proporção que era de 1 sala grande para cada 25 mil habitantes foi drasticamente reduzida para 1 sala pequena para mais de 60 mil. O movimento indicado por estes números relacionados ao acesso aos filmes coincide com o decaimento progressivo da produção cinematográfica baiana.

O professor André Setaro, com notado acento irônico em sua fala, descreveu a era de ouro do cinema soteropolitano, fosse na festa que era freqüentar os cinemas de então, fosse pela riqueza da produção e do glamour hollywoodiano que embevecia os sonhos do período. Terminou seu tempo de exposição quando falava da década de sessenta e então declarou, como a grande faísca da tarde, que dali para frente não houve mais cinema de qualidade na Bahia.

Após breve defesa de Pierry a respeito deste ataque às vanguardas do cinema baiano, seguiu-se a intervenção do cineasta Edgard Navarro, que filma desde 76 e só recentemente, em 2005, rompeu a barreira da produção do primeiro longa-metragem: Eu me lembro, que conquistou 7 candangos no Festival de Brasília. Ele lamentou profundamente a atual situação do cinema nacional e da legislação vigente, e parafraseou Cazuza, dizendo "meus heróis morreram de overdose e meus amigos estão no poder", remetendo um pedido público ao quadro de gestores públicos da cultura no atual governo petista em seu estado, para que não se deixem contagiar pelas gravatas exigidas pelos cargos - neste momento, num ato de irreverência, vestiu uma gravata de estampa exótica que comprou em São Francisco por 20 dólares! No mais, atacou o monopólio dos meios de comunicação de massa e as oligarquias nacionais e locais historicamente fincadas no poder baiano, lançando luzes sobre o cenário de mudança de poder na Bahia; ainda incitou os jovens a darem o melhor de si na luta pelo cinema antes de guardar-se para o bate-boca que se seguiria.

Faltava, porém, a fala de Cláudio Marques, produtor baiano que lamentou que o debate estivesse pendendo para a nostalgia perpétua do tempo de nossos pais, quando tudo era melhor, em alusão à fala de Setaro; fez um apanhado geral da produção mais recente do cinema baiano, diagnosticou a falta de canais de distribuição para a produção baiana, defendeu o reconhecimento da crítica para os trabalhos feitos em mídia digital, fez um inventário do esquema de distribuição que lota as poucas salas com megançamentos e lamentou o péssimo estado de conservação das películas do acervo de filmes baianos antigos.

A intervenção do público, hoje bastante reforçado pelos cineastas locais, começou branda com reclames sobre a exclusão de muitos nomes importantes da história do cinema baiano na fala dos palestrantes, além de informes, os mais diversos, como que dava conta do encaminhamento e evolução do amplo debate a respeito da criação de uma Escola de Cinema na UFBA, anseio que se concretizou em proposta incitada por Orlando Senna durante o II Seminário, em 2006 (
leia mais).

Os fartos aplausos que, pela primeira vez neste seminário, e por mais de uma vez, haviam interrompido as falas dos debatedores, voltaram reforçadas para incendiar as manifestações da contenda de lado a lado: um grupo, surgido da platéia e ao qual aderiu veementemente o cineasta Edgard Navarro, contrapôs-se à afirmação de André Setaro de que todos os que buscam produzir audiovisual hoje na Bahia são mendigos, numa referência aos mecanismos de fomento vigentes. Navarro, nestas alturas com os ânimos já exaltados chamou de perverso o professor e crítico. Setaro apenas tirou, com muita ironia, a máscara de sua própria ironia e revelou que pretendia, ali, assim como em seus artigos nos jornais e revistas, provocar exatamente este embate de idéias. Ao elegante sarcasmo na defesa do professor, seguiu-se uma explosão histriônica de Navarro, nestas alturas já em desacordo com a grande maioria da platéia, para a qual fazia gestos obscenos e hilários, como mostrar e bater na bunda ou exibir o dedo em riste, não mais com a irreverência do gesto da gravata, mas numa demonstração de grosseira falta de educação com a platéia que só se deixara levar pelo calor do debate e inflamara-se também, porém sem atirar impropérios como aqueles à mesa, restringindo-se a responder apenas com vaias que acabaram por expulsar Navarro do palco. Para tornar ainda mais surreal a cena, um jovem trajado de Homem Aranha, e que já freqüentara a platéia vestido como um personagem do Laranja Mecânica, passeava pelo palco e pela platéia com uma placa que alertava: Hollywood causa câncer!

Adicionar comentário


Código de segurança
Atualizar