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9º Encontro da Juventude Bahia e Sergipe

Movimentos definem rumos da luta contra a transposição do rio São Francisco

Apesar de ter chovido pouco este ano, há sinais de primavera no sertão nordestino. A estrada que leva a Sobradinho está cheia de flores, que brotam amarelas, roxas, brancas e cor-de-rosa, como se anunciassem boas-vindas às caravanas que vieram de todo o nordeste e de outras regiões do país para a Conferência dos Povos do São Francisco e do Semi-Árido, de 25 a 27 de fevereiro. Este foi o primeiro momento de reencontro dos movimentos que estiveram mobilizados durante a greve de fome de D. Luiz Cappio, que durou 24 dias e terminou em 21 de dezembro de 2007.

Como encaminhamentos: luta popular e a construção durante todo o ano, reunindo a diversidade de entidades e regiões. Mais uma vez é reafirmada a posição contrária ao projeto de transposição de águas do rio São Francisco e tudo o que ele representa. "Há um aprofundamento, sinto que os movimentos ganharam um novo impulso e estão dando uma resposta positiva no sentido de buscar meios de apontar por onde vamos caminhar e com que forças vamos contar", disse o bispo Luiz Cappio.


Ele afirmou que "infelizmente o governo quer realizar a obra a qualquer custo", mas disse ainda acreditar que o super projeto será mais uma falácia contra a vontade popular e que "não deve ser concluída" por causa das implicações "econômicas, sociais, éticas e ambientais".

O bispo esteve 24 dias em jejum, no final do ano passado, contra o projeto de transposição do rio São Francisco. Durante o ato as organizações sociais e movimentos populares idealizaram a organização da Conferência. O local escolhido para realização, Sobradinho (BA), simboliza todo o processo de degradação evidenciado com a presença da hidrelétrica e barragem, cercada de mazelas e pessoas em situação de miséria.

Água no Nordeste


Durante os três dias de palestras, debates e plenárias, alguns dados chamaram a atenção dos participantes, cerca de 200 pessoas de mais de 90 organizações sociais e movimentos populares, como os números apresentados pelo engenheiro Manoel Bonfim, que já foi diretor da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS).


Um dos mais importantes estudiosos da região, o professor Manoel Bonfim explica que "é mentira dizer que no Nordeste não tem água". Segundo ele, no Semi-Árido brasileiro, chove mais do que a média mundial para esse tipo de bioma. O problema é o alto grau de evaporação, que chega a 80%. Porém, dos 20% restantes só 1% da água das chuvas é aproveitada. "Temos 70 mil açudes na região, com capacidade quinze vezes maior do que a Baía da Guanabara. Essa água seria suficiente para todos os usos, mas faltam adutoras e obras complementares para distribuição, o que evitaria o desperdício com a evaporação, pois as águas não ficariam paradas. Além disso, há muita água subterrânea, que seria suficiente para abastecer toda a população nordestina", avalia.

Os números apresentados por Bonfim mostram que a transposição seria realmente desnecessária. O projeto prevê o desvio de 2 bilhões de metros cúbicos de água do São Francisco. Somente o açude de Castanhão, no Ceará, acumula 6 bilhões de metros cúbicos por ano, sendo que, destes, 2 bilhões evaporam. Portanto, a quantidade de água utilizada com a transposição apenas compensaria o que evapora neste açude.


"Nós temos dois desafios, o primeiro é o combate a seca e o outro é a convivência com o semi-árido", argumentou Luciano Silveira, da Articulação do Semi-Árido (ASA), na Paraíba. Ele disse que o primeiro item deve perpetuar a indústria mantida por forças políticas, o segundo requer a aplicação alternativas equilibradas e compatíveis com a realidade do lugar.

"Nossa luta tomou uma dimensão nacional e internacional, mas este local representa a rebeldia e a resistência dos povos, que devem ser entendidas como um processo", explica Rubens Siqueira, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que lembrou os diversos momentos de mobilização contra a transposição, como as ocupações durante o Abril Vermelho, o acampamento em Cabrobó, as retomadas de terras dos povos Truká, a romaria da terra em Minas Gerais, a ocupação da barragem de Sobradinho, o fechamento da ponte entre Juazeiro e Petrolina, além de manifestações e jejuns solidários, em 2007.

Derli Casali, do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), faz uma análise da atuação de grandes empresas na região. "O Nordeste deixou de ser apenas fornecedor de mão-de-obra barata. Hoje o capital tem interesse nos recursos estratégicos e bens naturais da caatinga, que é rica em biodiversidade. A transposição parte desta lógica de grandes projetos, no contexto do PAC (Programa de Aceleração do crescimento) e da IIRSA (Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana)".

Luciano Silveira, da Articulação do Semi-Àrido (ASA), apresenta uma crítica ao modelo de desenvolvimento adotado historicamente na região, que concentra terra e água. "O problema é de natureza política. É claro que para uma população difusa, que sofre com a seca, só funcionariam técnicas difusas de distribuição de água, como barragens sucessivas, subterrâneas, cisternas, mandalas e outras técnicas simples. A caatinga é um grande patrimônio genético, mas está sendo destruída. É preciso resgatar os saberes locais de convivência com o Semi-Árido."

O agricultor José Santana, do MPA, explica que "este modelo que chamam de desenvolvimento impõe a monocultura e destrói nosso modo de vida. A sabedoria dos camponeses é um tesouro acumulado e precisamos lutar para permanecer no campo". Rita de Cássia, militante do MPA, completa o argumento: "Há plantas que só existem nessa região, mas nossas sementes estão sendo roubadas por grandes empresas. O desafio dos camponeses é permanecer na terra, com vida digna".

São Francisco seco

Muitos outros depoimentos denunciam a destruição do São Francisco. Em Sergipe, há trechos onde o rio está completamente seco e a população atravessa seu leito de moto. O professor Manoel Bonfim diz que, em muitos lugares, a água do São Francisco está salgada, pois o rio perdeu sua força contra o mar. No Norte de Minas Gerais, pescadores contam que a poluição da mineradora Votorantim causou a morte de 80 mil toneladas de surubim. "Para nós, o rio é fonte de vida e alimento. Este projeto da transposição representa uma segunda colonização e a morte dos povos indígenas", afirma Marcos Sabarú, representante do povo Truká.

Andréa Zellhuber, da CPT, diz que o alto consumo de água para a agricultura baseada no monocultivo irrigado está causando um processo de desertificação no semi-árido e a transposição agravaria este problema. Outra preocupação é a devastação do cerrado, onde estão localizadas as nascentes do São Francisco. A erosão dos solos do cerrado causa o assoreamento dos rios. Hoje a profundidade média do São Francisco é de 1 metro e quase não existe navegação.

O governo tem utilizado o argumento da revitalização do rio como "moeda de troca" da transposição, inclusive com a promessa de fazer a reforma agrária na região. O ambientalista Henrique Cortez explica que, "Se o governo fizer 6 km de assentamentos com irrigação, como promete, não haverá água suficiente para abastecer o eixo norte do projeto. Está claro que isso é uma mentira". Para Derli Casali, do MPA, "A transposição inviabilizaria qualquer tentativa de revitalização do São Francisco, pois são projetos antagônicos".

Além da conferência, foram organizadas outras atividades com o povo de Sobradinho, que hospedou a maioria dos delegados de outros estados. Em um desses eventos, D. Cappio lembrou que "essa luta não é como um jogo de futebol, que dura 90 minutos. A luta da vida tem o tamanho da nossa vida".


Fonte: Agência Brasil de Fato

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