Pochmann assume Ipea criticando "Estado raquítico" e "falso otimismo"
José Carlos Mattedi e Daniel Merli
Repórteres da Agência Brasil
José Cruz/ABr
Brasília - O novo presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, conversa com o ministro da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, Mangabeira Unger, durante cerimônia de posse
Brasília - O economista gaúcho Márcio Pochmann tomou posse, na tarde de hoje (14), da presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em substituição a Luiz Henrique Proença Soares. Em seu discurso, criticou a falta de aparelhamento da máquina pública. "Temos um Estado raquítico", afirmou. Segundo ele, os funcionários públicos representam 8% dos trabalhadores brasileiros. "Em 1980 era 12%. Nos países desenvolvidos varia de 18%, nos Estados Unidos, a 40%, nas nações escandinavas".
Também criticou os economistas e intelectuais que vivem de um "falso otimismo com a possibilidade de superação do atraso" econômico do Brasil. Para ele, é preciso superar o atraso com a melhora das condições de trabalho da população.
O país vive, segundo ele, uma janela de oportunidade. "O desenvolvimento volta a bater à nossa porta, com o conjunto dos avanços proporcionados pelas inovações tecnológicas". Mas criticou que a maioria das novas tecnologias "não garantem melhoria da qualidade de vida da população".
Antes subordinado ao Ministério do Planejamento, o Ipea passou a fazer parte do novo ministério criado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo. Pochmann está subordinado ao ministro Roberto Mangabeira Unger.
Pochmann é professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo, na gestão da ex-prefeita e atual ministra do Turismo, Marta Suplicy. O economista é autor de 27 livros sobre inclusão social, desenvolvimento econômico e políticas de emprego.
"Fortalecer o Ipea, potencializar a sua função básica de pensar o desenvolvimento nacional, e valorizar a inovação no campos da políticas públicas matriciais e articuladas, são os nossos propósitos inalienáveis", frisou Pochmann no discurso de posse.
O Ipea é uma fundação pública federal. Realiza pesquisas e estudos sociais e econômicos, e divulga o conhecimento resultante. Além disso, dá apoio técnico e institucional ao governo. A partir dos resultados dos estudos, o governo formula e reformula as políticas públicas e os programas de desenvolvimento.
Em entrevista à Carta Maior, o novo presidente do IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Márcio Pochmann, afirma que sua prioridade “é o Brasil, sua complexidade e sua diversidade”. Também afirma que o Estado brasileiro, ao contrário do que prega o conservadorismo da mídia e dos partidos à direita, “é raquítico” e não tem condição de gerir o país do jeito que está. Para ele, o único momento em que o Brasil, ao longo de sua história, revelou alguma pujança econômica e administrativa foi no ciclo que começou com a Revolução de 1930 e terminou em 1980. Nestes 50 anos o Brasil tornou-se um país moderno, com instituições modernas. A seguir, a entrevista do professor e nosso colaborador Márcio Pochmann.
CM – Três prioridades para o IPEA.
Márcio Pochmann – A primeira é o Brasil, sua complexidade, sua diversidade. A segunda é abrir um diálogo sobre o futuro...
CM – Na sua visão, isso quer dizer que o Brasil tem um futuro...
MP – Claro. Somos um país em construção. A terceira é a re-inserção do Brasil no mundo.
CM – Como assim?
MP – Na nova divisão internacional do trabalho o Brasil fica com a execução e não com a concepção.
CM – Um exemplo?
MP – Ao Brasil cabe a produção de produtos primários, de baixo valor agregado, com salários de padrão asiático.
CM – O que é um “padrão asiático de salários”?
MP – Valor baixo, longa jornada de trabalho, alta rotatividade.
CM – Seria o caso do etanol?
MP – O etanol vai se tornar a principal matriz energética do século XXI. Pode-se recolocar o Brasil no mundo, se isto impulsionar a agricultura familiar, a distribuição de renda. Ou se pode fazer de outro modo, o brasileiro tradicional, com 200 fazendas, 200 famílias, o país excludente de sempre, apenas agro-exportador. Como sempre.
CM – O Brasil está condenado a este modelo excludente?
MP – O Brasil só diferiu deste modelo entre 1930 e 1980. Nestes 50 anos o Brasil mudou sua inserção na economia mundial. Mudou seu padrão de produção, graças à industrialização. Deixou de ser uma grande fazenda para ser a 8ª economia do mundo. Estruturou uma sociedade moderna com base no assalariamento e na valorização do trabalho, ainda que tudo isto tenha seguido padrões muito longe de serem o ideal.
CM – Nesta acepção, o que é uma “sociedade moderna”?
MP – O Brasil constituiu instituições, sindicatos, organizando o interesse de trabalhadores e patrões. Construiu um Estado com capacidade de intervenção num país continental.
CM – Isso põe em tela o papel do Estado.
MP – O país tem um Estado raquítico. Apenas 8% da mão de obra ocupada pertence ao Estado. Nos Estados Unidos, são 18%. Na Europa, 25%. Na Escandinávia, 40%. Espanha e Portugal tem cerca de 20%.
CM – Que problemas isto acarreta?
MP – Um dos problemas do PAC é a capacidade de administração, de gestão. Faltam quadros para isso.
CM – O que fazer?
MP – Nossa proposta é discutir o desenvolvimento do país, não só o crescimento econômico. Isso implica discutir educação, saúde, serviços, ciência e tecnologia, cultura, só para começar.
CM – Muito obrigado, professor, parabéns e boa sorte.
MP – Muito obrigado.