A doce vitória de Vanda
"Dirijo-me também aos partidos de oposição e aos
setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada. Estendo
minha mão a eles. De minha parte não haverá discriminação, privilégio ou
compadrio". Em seu primeiro discurso como presidente eleita do
Brasil, Dilma Rousseff reafirmou a consolidação, junto ao eleitorado, de
um projeto republicano. A primeira providência de um vencedor nas urnas
é remover os destroços da campanha. A esta altura, não cabe a menor
dúvida de que a vantagem de 12 milhões de votos, que a separou de seu
competidor, mostrou, de forma cabal, a irreversibilidade de uma agenda
que contemplou desenvolvimento com redistribuição de renda.
A
sua vitória demonstra a maturidade da sociedade civil brasileira. De
nada adiantou o toque de direitismo, com tonalidades protofascistas, da
campanha tucana. Os efeitos da eleição presidencial sobre o quadro
partidário brasileiro confirmam com clareza um fenômeno já reconhecível
há algum tempo: a desagregação do esquema político que deu sustentação
aos oito anos de domínio neoliberal.
O encolhimento expressivo
das bancadas do PSDB, DEM e PPS é extremamente emblemático. Reflete a
rejeição a uma prática conservadora que, em desespero, açulou o que
havia de mais primitivo no imaginário social, com o objetivo de
estabelecer uma plataforma calcada no retrocesso cego. Porém, ao mesmo
tempo em que levou as forças reacionárias ao paroxismo, a oposição,
involuntariamente, construiu uma unidade de pensamento que aglutinou
expressivos setores da sociedade organizada a se aliarem em torno da
aspiração da continuidade de mudanças profundas nas estruturas que, por
muito tempo, sustentaram uma ordem social autoritária e excludente.
Por
não estar em sintonia com o tempo político, incapaz de esmaecer suas
indefinições internas, o núcleo duro do tucanato vive um momento de
desestruturação que exigirá um esforço imenso para manter até mesmo a
imagem unívoca de partido político. De ponta a ponta, o país está sendo
varrido por uma ânsia de consolidação democrática que não tem mais
condições de ser reprimida. Para a direita, diminuem as possibilidades
de uma recomposição de campos de atuação. Querer refrear as
oportunidades de mudança social surgidas nos dois governos petistas foi a
grande tragédia que tolheu as pretensões de José Serra e seus aliados.
Em
intensidade nunca vista, a prova das urnas esfrangalhou as estruturas
partidárias da oposição demo-tucana, mostrando a ineficácia de uma
estratégia firmada sobre dois pilares: o poder midiático e o desembarque
do "iluminismo tucano" no mais deslavado integrismo católico. No palco
eleitoral, o personagem central dessa historieta, beijando a imagem de
Nossa Senhora Aparecida, tentou passar-se por filho do destino. Deveria
saber que o mito funcionaria contra sua intenção burlesca. Varrido pela
tempestade dos votos que liquidaram quase todas as lideranças do seu
partido, Serra atuou como cabo eleitoral às avessas. É triste o fim que o
transformismo dá a quem o abraça a qualquer preço.
Terminada a
campanha, à vencedora cabe tomar a iniciativa de cicatrizar divergências
sem a necessidade de compor interesses rasteiros por baixo de uma
retórica elevada. A primeira mulher eleita presidente do Brasil não
pode, nem quer, ser prisioneira de uma rigidez política que a imobilize
dentro de sua base de apoio. O problema, por enquanto, é a falta de um
interlocutor que tenha sobrevivido do outro lado.
É lógico que,
diante desse quadro, as áreas da imprensa mais vinculadas aos pontos de
vista dos derrotados venham dando ênfase às diferenças na coligação
vencedora. Apostam, com os olhos voltados para o passado, na fraqueza
relativa dos partidos em nossa história republicana. Parecem não querer
se dar conta de que há grande possibilidade de uma convergência
programática e de ação das forças políticas que, com Dilma, venceram as
eleições de 2010. O baronato joga suas fichas na impossibilidade da
democracia como reinvenção. Já deveria ter aprendido que o rumo da
história é ditado por forças dinâmicas.
Outubro de 2010. O
arsenal tático da ex-guerrilheira atordoa as barricadas do atraso. É
doce o sorriso de Vanda. Como suave é sua mão estendida.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil