Ainda estou aqui mas, já não pertenço mais!
Já fazem anos desde que fui afastada pelo INSS, com a sigla fria que virou parte do meu nome: B91. Afastamento por doença relacionada ao trabalho. Doença do corpo — LER, DORT, siglas que escondem dores reais, pulsantes. Mas a verdadeira doença... começou antes. E continua até hoje.
Não, não foi só o teclado que me quebrou. Nem apenas o mouse. Nem somente a cadeira ou as estações de trabalho sem nenhuma ergonomia. Foi o peso invisível de tentar sobreviver num ambiente onde a meta valia mais do que a alma. Onde a pressão vinha mais rápido do que o sangue corria nas veias.
Mesmo afastada, nunca consegui me afastar da dor de verdade. Porque toda vez que vejo uma notícia de agência fechando, colegas sendo desligados, demissões em massa mascaradas por “reestruturações”... é como se uma bomba tivesse caído bem no meio da minha memória. Da minha história.
É uma guerra silenciosa. Sem tanques, mas com metas inatingíveis. Sem tiros, mas com desligamento. Vejo uma profissão desaparecer diante dos meus olhos. Uma categoria inteira sendo desmontada e ninguém parece ouvir nossos gritos.
O bancário que um dia fui, com orgulho, era mais que um número. A gente ouvia histórias, ajudava famílias, criava laços. Hoje, esse laço foi cortado. As máquinas assumem, os algoritmos decidem, e o que era humano virou despesa.
É cruel assistir tudo de fora. Mais cruel ainda é saber que nem a doença foi suficiente para me proteger do impacto. Sigo sonhando com metas, com chefes, com cobranças, com exclusão e indiferença, porque ficaram tatuadas em mim. Não tem perícia que avalie o peso disso.
Afastada, sim. Mas nunca em paz.
É como ver a casa que você sonhou e cresceu sendo demolida. Tijolo por tijolo. E você não pode fazer nada, só assistir. A cada demissão, é como se eu perdesse mais um pedaço de mim. O que antes era orgulho virou luto.
Não é só um emprego que se perdeu. É uma identidade. Uma história coletiva de trabalhadores que agora andam cabisbaixos, com sequelas físicas, mentais, emocionais e ainda sendo tratados como números, esperando a esteira passar para te expulsar da estrada.
Eu não sou um erro de produtividade. Eu sou a prova de que esse sistema adoece e descarta.
E mesmo afastada... ainda dói. Dói ver que não há mais lugar para nós.
*Relato anônimo de uma funcionária do Itaú afastada por problemas de saúde, mas que continua sofrendo com as ações do banco.