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9º Encontro da Juventude Bahia e Sergipe

De volta ao passado?

As manifestações de 15 de março revelam o acirramento da Luta de Classes em um cenário de crise econômica, política e moral em nosso país. Não desqualifico nem subestimo esses eventos, mesmo reconhecendo o perfil dos participantes, claramente pertencentes à classe média e liderada por setores mais abastados da sociedade, que não aceitam a vitória de um projeto que prioriza as camadas mais pobres da população. Contudo, há questões no bojo desses episódios que vão além dos protestos contra a corrupção, tão alardeada pela grande mídia.

Sabemos que, historicamente, a classe média sempre foi formadora de opinião nos processos políticos e sociais, influenciando as classes marginalizadas para adesão aos seus interesses. Aconteceu em 1964 quando houve o Golpe Militar (que na verdade se constituiu em uma intervenção militar), fomentado pelas oligarquias, partidos de direita e o capitalismo internacional, e apoiada amplamente pela classe média, naquele período. Acreditavam que, logo após a intervenção, os militares devolveriam o poder para a sociedade civil, o que não ocorreu, sendo necessárias a luta e a morte de muitas pessoas para que fosse restaurada a democracia.

Um dos eventos significativos que antecederam o Regime Militar foi a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", ocorrido entre março e junho de 1964, reunindo milhares de pessoas da classe média nas ruas do país. Só em São Paulo, uma das manifestações foi estimada entre 300 a 500 mil participantes, protestando contra algumas medidas do governo de João Goulart, entre elas: a desapropriação de terras próximas a rodovias, ferrovias e barragens; transferência do controle de refinarias de petróleo estrangeiras para a União; reformas de base, mudanças administrativas, agrárias, financeiras e tributárias; reforma urbana e a implementação de um imposto sobre as grandes fortunas.

Como afirmam muitos historiadores, "a história é cíclica" e guardadas as devidas proporções, nesse momento, presenciamos o retorno da forma mais explícita do embate de classes, desde o golpe militar. As camadas sociais que ocuparam as ruas nesse 15 de março, analogicamente a 64, empunhavam cartazes com dizeres: Morte aos Comunistas, Intervenção Militar, Privatização da Petrobras, entre outros. Demostraram toda a ira contra o atual governo. Hoje, como naquele período, a justificativa é defender o país da corrupção, contra o "autoritarismo de esquerda" e etc., porém, não precisa ser expert para entender que o pano de fundo é voltar ao poder, e como não foi possível pelo processo democrático, tentam através do golpe.

No que pese as razões das classes dominantes e seus interesses daninhos, não podemos deixar de admitir que houve algumas falhas por parte do Governo Dilma, principalmente no início desse segundo mandato. No que se refere à economia, mesmo avaliando os efeitos nefastos causados pela crise capitalista que afeta o mundo, as decisões tomadas pela equipe econômica do governo têm se mostrado infelizes. A opção pelo ajuste fiscal para cumprir as metas do Superávit Primário e privilegiar o mercado financeiro, reduzindo os investimentos no desenvolvimento dos setores produtivos, mostra uma submissão aos seguimentos rentistas nacionais e internacionais, o que irá aprofundar a crise, como aconteceu em países da Europa.

Para complicar ainda mais, o governo elevou os preços dos combustíveis e a tarifa de energia, provocando decepção e descontentamento na população, principalmente para os que apoiaram a reeleição da presidente. As consequências desses reajustes impactam no aumento do custo de vida da população, afetando os mais pobres, uma vez que a gasolina e a energia influenciam diretamente a alta de preços de produtos e serviços. Apesar da necessidade dos reajustes, a população poderia ser informada com antecedência e a majoração deveria ter sido feito de forma gradual.

No campo social, o governo cometeu outros erros, através da edição das Medidas Provisórias 664 e 665. Subtraiu direitos adquiridos dos trabalhadores e segurados da Previdência Social à revelia da constitucionalidade e do diálogo com os seguimentos sociais afetados. As medidas causaram estranheza e indignação, pois trazem prejuízos sociais aos trabalhadores que estão expostos à alta rotatividade de mão-de-obra e às viúvas pensionistas com menos de 44 anos, que ficarão desamparadas. A justificativa frágil do governo era combater possíveis fraudes na Previdência Social e no Auxílio-desemprego, o que resultaria em uma economia aos cofres públicos de R$ 18 bilhões, quantia que consideramos insignificante quando se leva em conta o tamanho do PIB brasileiro.

Esse conjunto de equívocos praticados pelo governo tende a fortalecer as forças de direita e facilita a adesão das classes menos favorecidas a participar das manifestações golpistas. Medidas impopulares aliadas à falta de diálogo com os Movimentos Sociais nas tomadas de decisões criam um hiato que só fragiliza ainda mais o governo, levando-o ao isolamento. Sobretudo nesse momento em que a composição do Congresso Nacional se apresenta com um perfil conservador e fisiológico – salvo algumas exceções -, que impõe a barganha de favores pela governabilidade.

Independente dos problemas econômicos e as pressões da imprensa golpista, os Movimentos Sociais organizados precisam apoiar e defender a manutenção do governo Dilma, como garantia da preservação da democracia, do Estado de Direito e da soberania popular, estabelecida pelas urnas no ultimo sufrágio. Entretanto, o apoio não pode ser incondicional, deve ser crítico, de forma a contribuir para as decisões mais acertadas na superação da crise. Dentro desse propósito, o Movimento Sindical continuará depositando sua confiança no projeto iniciado no primeiro Governo Lula e permanecerá na trincheira, como em 1964, em defesa da democracia por um país mais justo para todos os brasileiros, porém, priorizando os trabalhadores e as camadas mais vulneráveis da sociedade.

 

 Fernando Dantas é historiador e diretor da Federação dos Bancários da Bahia e Sergipe.

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